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2014-06-30

Na vida somos iguais - Reinaldo Ferreira

Na vida somos iguais
Às peças que no xadrez
Valem o menos e o mais,
Segundo o acaso que a fez.

Do mesmo cepo nascer
Para as batalhas pensadas,
Aos mais, peões de perder,
A raros, ficções coroadas.

Mas, findo o jogo, receio
Que, extintas as convenções,
Durma a rainha no meio
Dos mal nascidos peões.


Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (n. em Barcelona, a 20 de Março de 1922; m. em Moçambique a 30 de Junho de 1959).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Da margem esquerda da vida
Rosie
Vivo na esperança de um gesto
Quem dorme à noite comigo
Meu Quase Sexto Sentido
Uma Casa Portuguesa
Passemos Tu e Eu Devagarinho
Duma outra infância, inventada

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2014-06-29

OS VAGABUNDOS - Afonso Schmidt

Perdidos pela estepe enegrecida e rasa,
Nessa planície igual que a distância arredonda,
Que o inverno enregela e que o verão abrasa,
Dos vagabundos passa a maltrapilha ronda.

As miragens do céu são como pétrea onda...
E o vento forasteiro essa visão arrasa,
Quebrando torreões de arquitetura hedionda,
Catedrais de marfim e florestas de brasa!

Eles passam cantando uma canção dolente,
E vão deixando atrás, por sobre a terra ardente,
Dos seus inchados pés os passageiros rastros...

E quando a noite desce aos desertos medonhos,
Deitam-se sobre a terra e sonham lindos sonhos
Na solidão da estepe e na mudez dos astros!


Afonso Schmidt nasceu em Cubatão, Estado de São Paulo, a 29 de junho de 1890, m. em São Paulo a 3 de abril de 1964).


Ler do mesmo autor, neste blog:
Zingarella
Cubatão
Chromo
O Poema da Casa Que Não Existe
Simpatia (Poema infantil)

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2014-06-27

DELÍRIO - João Guimarães Rosa

No parque morno, um perfumista oculto
ordenha heliotrópios...
Deixa aberta a janela...

Minhas mãos sabem de cor o teu corpo,
e a alcova é morna...
Apaguemos a luz...

Não sentes na tua boca
um gosto de papoulas?...

Passa o lenço de seda de tuas mãos
sobre minha fronte,
e não me digas nada:
a febre está, baixinho, ao meu ouvido,
falando de ti...


In Magma, 1936 (publicado em 1997)

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, Minas Gerais, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967).

Da mesma autoria ler Consciência Cósmica

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2014-06-26

O Beija-flor - Tobias Barreto

Era uma moça franzina,
Bela visão matutina
Daquelas que é raro ver,
Corpo esbelto, colo erguido,
Molhando o branco vestido
No orvalho do amanhecer.

Vede-a lá: tímida, esquiva...
Que boca! é a flor mais viva,
Que agora está no jardim;
Mordendo a polpa dos lábios
Como quem suga o ressábio
Dos beijos de um querubim!

Nem viu que as auras gemeram,
E os ramos estremeceram
Quando um pouco ali se ergueu...
Nos alvos dentes, viçosa,
Parte o talo de uma rosa,
Que docemente colheu.

E a fresca rosa orvalhada,
Que contrasta descorada,
Do seu rosto a nívea tez,
Beijando as mãozinhas suas,
Parece que diz: nós duas!...
E a brisa emenda: nós três! ...

Vai nesse andar descuidoso,
Quando um beija-flor teimoso
Brincar entre os galhos vem,
Sente o aroma da donzela,
Peneira na face dela,
E quer-lhe os lábios também
Treme a virgem de surpresa,

Leva do braço em defesa,
Vai com o braço a flor da mão;
Nas asas d’ave mimosa
Quebra-se a flor melindrosa,
Que rola esparsa no chão.
Não sei o que a virgem fala,
Que abre o peito e mais trescala
Do trescalar de uma flor:

Voa em cima o passarinho...
Vai já tocando o biquinho
Nos beiços de rubra cor.
A moça, que se envergonha
De correr, meio risonha
Procura se desviar;
Neste empenho os seios ambos
Deixa ver; inconhos jambos
De algum celeste pomar! ...

Forte luta, luta incrível
Por um beijo! É impossível
Dizer tudo o que se deu.
Tanta coisa, que se esquece
Na vida! Mas me parece
Que o passarinho venceu! ...

Conheço a moça franzina
Que a fronte cândida inclina
Ao sopro de casto amor:
Seu rosto fica mais lindo,
Quando ela conta sorrindo
A história do beija-flor. 


 Tobias Barreto de Meneses (n. Vila de Campos do Rio Real, 7 de junho de 1839 — m. em Sergipe, 26 de junho de 1889)

Do mesmo autor ler

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2014-06-25

Poema da Amada Escurecida - Ruy Barata

Quero enfim repousar,
quero enfim adormecer sobre a grande noite
da amada escurecida.
Apaguem todas as luzes,
apaguem o canto iluminado das mortalhas,

apaguem o próprio silêncio deste exílio
e a lembrança da amada escurecida.

Quero enfim repousar,
quero enfim adormecer sob a noite gelada,
sepultar o meu canto nas paredes eternas
pássaro louco prestes a descer às trevas abismais.

Quero enfim repousar,
eu o jamais sepultável dos poemas,
o que espera as visões da grande madrugada,
o que faz os teus olhos abertos compassivamente
para o grande retorno da amada escurecida.


Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990)

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2014-06-23

São João



Se o São João soubesse
O que por ti eu sinto
Talvez ele dissesse:
Esquece e bebe um tinto!

Fernando Semana

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Sol das Almas - Martins Fontes


À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de “Sol das Almas”!

Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das salmas
A luminosidade comovente!

Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!

Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? – Saudade.

José Martins Fontes nasceu em Santos (SP) a 23 de Junho de 1884 e morreu a 25 de Junho de 1937.

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2014-06-22

Sinos - Na passagem dos 150 anos do nascimento de Paulino de Oliveira

Quando, alta noite, o cérebro desfeito,
Vou procurar, na placidez do leito,
A paz reconfortante e nirvanada
Quasi sempre, Deus meu, em turva queixa
Minha cabeça freme, e não me deixa
Colher no sono a calma cobiçada.

Nela, revolvem-se, vagos, difusos,
Não sei que sons, absurdos, confusos,
Que me atordoam espantosamente
Que ruído é este que o meu ser escuta?
Talvez o eco da diurna luta,
Que me alucina e que me põe doente...

Fecho os olhos a ver se o sono chamo;
Fecho os olhos em vão, e em vão eu clamo
Nem sei por quem, em oração piedosa...
E cada vez eu julgo mais... suponho...
- Crise de nervos ou sombrio sonho,
Epilepsia eatranha e dolorosa...

Agora, que se tumultua e agita
Mais, a minha cabeça, pobrezita
- Que dia de agonia e desatinos!... -
Escuto entre o silêncio, escuro e vago
Deste meu quarto pobre, morto lago,
Que lá longe, lá fora, tangem sinos.

Minha pobre cabeça desvairada
Que dó tenho de ti, triste coitada,
Como latejas forte, febrilmente!
Ouves que tangem... queres protestar...
Não queres crer e tens de acreditar
- Que sinos tocam, ouço realmente...

Ao largo, muito ao largo... mas decerto
É de sinos. O ouvido apuro e esperto.
- Ora sinos, pois não, sinos agora...
Convencida e a sorrir diz-me a razão.
Mas, bem depressa, muda de opinião,
Pois tocam sinos pela noite fora.

Corro à janela, pálido de medo.
Abro a janela e embalde o espanto arredo.
Sem que eu precise donde e como se alam,
Sem que ouça os brônzeos tons batendo a rua,
No meu confuso ouvido continua
O som de longes torres que badalam.

Fecho as janelas, frígido de espanto.
Recolho à pressa e triste como o pranto,
Com a cabeça ardendo borbulhante.
Quero asfixiar a ideia que me cansa
No leito flácido em que se descansa;
- E os sinos viobram pela noite adiante...

E se dormir alcanço porventura,
Nem sempre, mesmo assim, a desventura
Dessa ideia, me deixa de agitar...
Toques de incêndio? Dobres a finados?
Rebates conclamando sublevados?
Não sei, não sei... -. e os sinos sem parar...


in Poemas de Paulino de Oliveira, Edições «Descobrimento» 1932

Francisco Paulino Gomes de Oliveira, nasceu em Setúbal a 22 de Junho de 1864, faleceu em 1914

Do mesmo autor: Rastros

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Musical suggestion of the day: Hello, it's me - Todd Rundgren


"Hello, It's Me," by Todd Rundgren

The simple, conversational tone, along with dark feelings like, "Maybe I think too much, but something's wrong," make this 1968 classic achingly intimate. Its raw sweetness slays me every time.

Todd Harry Rundgren (born June 22, 1948)

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2014-06-21

Relíquia Íntima - Machado de Assis

Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.

E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.

Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:

Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.


Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS (nasceu no Rio de Janeiro a 21 de Junho de 1839 e aí faleceu a 29 de Setembro de 1908)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Minha Musa
Aspiração
Círculo Vicioso
Musa Consolatrix
Menina e Moça

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2014-06-20

Canção Tzigana - António Feijó

Das minhas trinta e três amantes
Apenas três me não traíram:
Mas dessas três, sempre constantes,
Duas por fim também partiram.

De amor eterno, alto, modelo,
Foi uma só, das trinta e três...
Mas essa, em paga do seu zelo,
Sou eu que a engano muita vez...


Extraído de Poesias Completas, António Feijó, Prefácio de J. Cândido Martins, Edições Caixotim

António Joaquim de Castro Feijó, nasceu em Ponte de Lima a 1 de Junho de 1859 e faleceu em Upsala na Suécia a 20 Junho 1917).

Ler do mesmo autor:

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2014-06-19

RÉPTIL E PÁSSARO - Celina de Holanda

Um espelho e seus dois lados,
répitl e pássaro,
o que somos.

Mas eu sei do lagar
do seu labor de vinho
e de raio.
Ó, esse raio, espada
que vem e vai.
Para onde estas rotas de voo
se abrem e se apagam?

Que serventia de luz
tem esse horror a nosso lado?


in A mão extrema, Edições Quíron (1976)

Celina de Holanda Cavalcanti de Albuquerque nasceu no município do Cabo de Santo Agostinho em 19 de junho de 1915 e morreu no Recife em 04 de julho de 1999

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2014-06-18

COM A PRECISÃO DE UM AMOR QUE ME TRESPASSA - Fernando Botto Semedo

A esta luz encantada surge-me toda a vida com a precisão
De um amor que me trespassa. Abranjo tudo. Tudo
Era e foi nestes segundos. É uma barca de sentimentos
E da memória. O tempo é ser o poema uma criança
Cheia de lágrimas que escreve um fragilíssimo rol
De palavras. As imagens são tantas, que nenhuma
Pode ser captada. Riem-se os rostos, as palavras,
Os fragmentos de realidade, passando. Aqui é a casa
Do afecto, da ternura inesperada vinda pelo rio acima´:
(O rio que corre dentro de mim, atirando-lhe pedras
Para deslizarem como planadores). A luz que vejo
É a da tua casa antiga, lâmpada acesa brandamente,
Assinalando a tua pobreza e a tua paz. (Sobes, agora,
Pelas escadas dos avós, para ceares neste Dia de Natal).
A luz que vejo é toda iluminada pelo calor do amor,
Com as vossas existências aqui perto, e a noite preservada,
Passando como uma girândola de estrelas novas e vivas,
Cantando na min ha alma de criança.

in O Livro da Primeira Classe, Lisboa, 2005

Fernando Botto Semedo nasceu em Lisboa a 18 de junho de 1955

Do mesmo autor: Ao Fundo Da Minha Alma Branca

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2014-06-17

a rectidão da água; o crescimento - António Franco Alexandre (na passagem do 70º aniversário)



a rectidão da água; o crescimento
das avenidas, ao anoitecer, sob a nua
vibração dos faróis;

o laço, mesmo, das portas só
entreabertas, onde a luz
silenciosa se demora;

são memórias, decerto, de um anterior
esquecimento, uma inocente
fadiga das coisas,

como os corpos calados, abandonados
na véspera da guerra, o teu
jeito para

o desalinho branco das palavras,
altas as
asas de nuvens no clarão do céu

em vão rigor abrindo
o destinado enigma: assim
desconhecer-te cada dia mais

ausente de recados e colheitas,
em assustado bosque, em sombra
clareira,

ao risco dos rios frívolos descendo
seixos polidos, desinscritos,
imóveis movendo

a luz do dia;
a margem recortada, aonde vivem
ausentes e seguros, os luminosos

animais do inverno;
assim são na verdade os muros claros;
assim respira o tempo, a terra intensa.

in A Pequena Face

António Franco Alexandre nasceu em Viseu a 17 de Junho de 1944

Ler do mesmo poeta, neste blog:
Já estou a ficar velho
Saudade
Nesta Última Tarde Em Que Respiro
Quando ouço ao telefone a voz que brinca

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2014-06-16

Paraíso - David Mourão-Ferreira

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


in "Infinito Pessoal" (1959-1962)

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro 1927 – Lisboa, 16 de junho 1996)

Ler do mesmo autor:
Praia do Esquecimento
Tentei Fugir da Mancha Mais Escura
Presídio
Casa
E Por Vezes
Ilha
Nocturno
Ternura
Labirinto
Penelope
Primavera
Equinócio
Soneto do Cativo

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2014-06-14

Ministória 46 - Dalton Trevisan

Domingo, de volta do futebol, ele serve-se de uma cachacinha, liga o rádio
- Sabe, paizinho ?
É o menino de seis anos, todo prosa.
- O quê, meu filho ?
- Essa a música que a mãe dança com o tio Lilo.


(extraído do livro 234)

Dalton Jérson Trevisan nasceu em Curitiba, 14 de junho de 1925, é Prémio Camões (2012)
Do mesmo autor: O Beijo

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2014-06-13

Poema XIV de As Mãos e os Frutos - Eugénio de Andrade

Tenho o nome duma flor
quando me chamas
Quando me tocas,
nem eu sei
se sou água, rapariga
ou algum pomar que atravessei.


(As Mãos e os Frutos, 1948)

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (Póvoa de Atalaia, Fundão, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005)


Do mesmo autor ler neste blog:
Os Olhos Rasos de Água
Surdo, Subterrâneo Rio
Canção
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
To A Green God
Urgentemente - Eugénio de Andrade
Adeus
Poems in English
Pequena elegia de Setembro
Às vezes tu dizias ...
Poema XVIII
Os amantes sem dinheiro
As amoras
Post Scriptum

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2014-06-12

No centenário de: Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio - Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente

E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,

Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço.

12-6-1914

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2014-06-11

Na Aldeia - Gonçalves Crespo

Duas horas da tarde. Um sol ardente
nos colmos dardejando e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
o grito das bigornas estridente.

A taberna é vazia; mansamente
treme o loureiro nos umbrais pintados;
zumbem à porta insectos variegados,
envolvidos do sol na luz tremente.

Fia à soleira uma velhinha: o filho
no céu mal acordou da aurora o brilho
saiu para os cansaços da lavoura.

A nora lava na ribeira, e os netos
ao longe correm seminus, inquietos,
no mar ondeante da seara loura.


in Poemas Portugueses Antologia das Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

António Cândido GONÇALVES CRESPO nasceu nos subúrbios do Rio de Janeiro a 11 de Março de 1846 e morreu, tuberculoso, em Lisboa, a 11 de Junho de 1883.

Ler do mesmo autor:
O Coveiro
A Noiva
Num Leque
O Relógio
Nunca eu te lesse, balada!
Na Roça
Mater Dolorosa

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2014-06-10

No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas trazemos Alberto Costa e Silva, prémio Camões 2014

Nada quis ser, senão menino. Por dentro e por fora, menino.
Por isso, venho de minha vida adulta como quem esfregasse na
pureza e na graça o pano sujo dos atos nem sequer vazios, apenas
mesquinhos e com frutos sem rumo.
Como se escovar os dentes fosse montar num cavalo e levá-lo a
beber água ao riacho! Como se importasse à causa humana ler os
jornais do dia!
Era melhor, talvez, ficar olhando, completo, perfeito, os calangos
a tomar sol no muro, sem trair o silêncio, sentindo o dia, para
conhecer o mundo, para saber que estou vivo.
Se não se têm esses olhos de infantil verdade, todas as cousas nos
enganam, tornam-se as palavras sem carne com que construímos a
árida abstração que é o curral dos adultos.
Depois dos quinze anos, quase nada aprendemos: a dar laço em
gravatas, por exemplo.


Publicado no livro Alberto da Costa e Silva carda, fia, doba e tece (1962).

Alberto Vasconcellos da Costa e Silva (São Paulo, 12 de maio de 1931)

Do mesmo autor já trouxemos aqui no Nothingandall: Poema de Aniversário

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2014-06-09

Álbum / XII - José Gomes Ferreira

Todos nascemos nus
– condição dos vermes,
dos punhais
e da luz.

Os filhos só têm a mais
o terror das diferenças
das mães a vesti-los com os braços
- destinos feios
de mijo a chorar nas rendas
e violinos em trapos.

Todos nascemos nus
- condição dos seios,
das açucenas
e dos sapos.

Mas até os seios das mães
São diferentes.
Uns cheiram a sedas quentas,
Outros, a urina de cães.

Bem. Agora devia sofrer
Cuspir nos espelhos
Dos remorsos.
E esbofetear o céu
Com gritos de mãos de ossos.

Mas não. Sorrio.
Todos nascemos nus
- condição dos mortos
despidos pelo frio.


José Gomes Ferreira (n. no Porto a 9 Jun 1900, m. em Lisboa a 8 Fev 1985)

Ler do mesmo autor, neste blog:

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2014-06-08

Hei-de Trazer-te Aqui - José Jorge Letria

Hei-de trazer-te aqui para te mostrar
os pequenos barcos brancos
que levam o Verão desenhado nas velas
e trazem no bojo a alegria dos arquipélagos
onde se ama sem azedume nem pressa.
Aqui, temos a ilusão breve
de que os dias sabem a pólen
e esvoaçam nas asas das abelhas
como cartas eternamente sem resposta. 

 José Jorge Alves Letria nasceu em Cascais a 8 de junho de 1951

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Amor Tudo Mata Quando Morre
O Sono

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2014-06-07

Quando vi você - Paulo Leminsky (no 25º. aniversário do seu desaparecimento)

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto


Paulo Leminski Filho (Curitiba, 24 de agosto 1944 – Curitiba, 7 de junho 1989)

Sintonia para pressa e presságio

Navio perdendo a rota
Isso de querer
Aviso aos Náufragos
Amor bastante;
Amor, então;
Iceberg

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2014-06-06

Pregões Matinais - Gomes Leal

Passo às vezes na cama um dia inteiro
De papo para o ar, como um madraço...
Fumando qual filósofo ou palhaço,
-Sem mulher...sem cuidadoss....sem dinheiro!

É de manhã então que me é fagueiro
Ouvir trinar no cristalino espaço
Um pregão mais macio que um regaço,
Que se esvai a carpir...como um boeiro...

De manhã é que passa a leiteirinha,
Com seu pregão chilrado de andorinha,
Passam varinas de gargantas sãs...

E ao escutar tais cantantes semifusas,
Eu creio que oiço ao longe as frescas musas,
- A vender uvas e a pregoar maçãs.


António Gomes Leal (n. em Lisboa a 6 de junho de 1848; m. em 29 de janeiro de 1921)

Ler do mesmo autor, neste blog:
À Janela do Ocidente
A Lady
Romantismo
Som e Cor
O Visionário ou Som e Cor III
Cantiga de Campo

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2014-06-05

Pastores - Cláudio Manuel da Costa

Pastores, que levais ao monte o gado,
Vêde lá como andais por essa serra;
Que para dar contágio a toda a terra,
Basta ver se o meu rosto magoado:

Eu ando (vós me vêdes) tão pesado;
E a pastora infiel, que me faz guerra,
É a mesma, que em seu semblante encerra
A causa de um martírio tão cansado.

Se a quereis conhecer, vinde comigo,
Vereis a formosura, que eu adoro;
Mas não; tanto não sou vosso inimigo:

Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro;
Que se seguir quiserdes, o que eu sigo,
Chorareis, ó pastores, o que eu choro.


Cláudio Manoel da Costa (nasceu em Vargem do Itacolomi, hoje Mariana, MG a 5 de junho de 1729 — morreu em Vila Rica, atual Ouro Preto, MG, a 4 de julho de 1789)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Soneto XXVI: Não vês Nise, este vento desabrido
Nise? Nise? Onde estás? ...
Soneto XCVIII;
Soneto V;
Soneto XLVI

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2014-06-04

Quando se Pensa Nesse Amor - Jorge de Sena

Quando se pensa neste amor que é feito
De tão variados modos sempre iguais
(ou de modos semelhantes tão diversos),
e se viveram já mais de trinta anos
de sonhá-lo, e fazê-lo, e desejá-lo
ainda e sempre como adolescente
sempre temendo quanto não conhece
( e ao mesmo tempo nada é já surpresa
no prazer que não cansa como nós)-
quando pensamos quantas vezes, quanta
gente por nós passou que possuímos
( se era de quem sempre desejou
um outro corpo além do que abraçava,
mesmo se o corpo fora o desejado mais)-
quando se pensa na ternura, o anseio
nos rodeando a vida que nos foge
e sendo como o que ainda mais a afasta
na dor de ser-se amado não se amando
senão o amor e não quem nos amara
por nós e em nós e não do que fazemos-
desde o nascer á morte, desde o instante
em que o prazer do sexo se descobre
até quando será memória extinta
nada sentido tem, nem o desejo
que sem sentido continua a ser
o só que vale a pena de ter tido
no desespero irónico de ser-se.


Jorge Cândido de Sena (n. em Lisboa a 2 de novembro de 1919; m. em Santa Bárbara, Califórnia a 4 de junho de 1978)

Ler neste blog do mesmo autor:
A Canalha
Suma Teológica
Carta a meus filhos sobre os fusilamentos de Goya
Glosa À Chegada do Outono
O Corpo Não Espera
Génesis VI
Entre-Distância
Amo-te muito meu amor
Como queiras amor
Fidelidade
A diferença que há...
Rígidos seios de redondas, brancas...

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2014-06-03

Poema - João Luís Barreto Guimarães

Quem vai do Porto para Leça ao
longo da auto-estrada (divisando
os navios sobre o porto de Leixões)
no fim da ponte à direita vira
para o centro hípico
(serpenteando a avenida tendo
por bombordo o cais)
adiante vê o forte da Senhora das Neves
alguns cem metros à frente começa
a marginal. Daí já se vê o farol
para lá dos prédios brancos
não é difícil achar lugar para estacionar.
Toca no sexto direito. Estou
sempre por aqui. Ou senão
não venhas hoje.
Faz como te apetecer.

Extraído de João Luís Barreto Guimarães, poesia reunida, Quetzal

João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto, a 3 de Junho de 1967

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2014-06-02

AGE - John G. Saxe

I'm growing fonder of my staff;
I'm growing dimmer in the eyes;
I'm growing fainter in my laugh;
I'm growing deeper in my sighs;
I'm growing careless of my dress;
I'm growing frugal of my gold;
I'm growing wise; I'm growing,—yes,—
I'm growing old.

in I'm Growing Old

John Godfrey Saxe I (June 2, 1816, Highgate, Vermont – March 31, 1887)

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2014-06-01

Sonho Desfeito - António Feijó

A Alfredo Guimarães

Quando o Sonho, batendo as asas doidamente,
Voa como falena errante, no infinito,
Cuido que ao pé de mim, voluptuosamente,
Cravas no meu olhar o teu olhar bendito.

E no delírio em que eu nervosamente fito
A curva do teu seio elástico e tremente,
Atrevo-me a poisar, nostálgico proscrito,
Meus lábios sem pudor sobre o teu colo ardente.

Mas como o vento espalha as húmidas neblinas,
Diluídas no vapor das névoas matutinas
A quimera, a ilusão de estranho visionário,

Vejo que o teu sorriso, ó casta Margarida!
Apenas me envolveu, luar da minha vida,
No tépido clarão dum beijo imaginário! …


Extraído de Poesias Completas, António Feijó, Prefácio de J. Cândido Martins, Edições Caixotim

António Joaquim de Castro Feijó, nasceu em Ponte de Lima a 1 de Junho de 1859 e faleceu em Upsala na Suécia a 20 Junho 1917).

Ler do mesmo autor:

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