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2020-03-05

PRECE - Pedro Homem de Mello


Talvez que eu morra na praia
Cercado em pérfido banho
Por toda a espuma da praia
Como um pastor que desmaia
No meio do seu rebanho

Talvez que eu morra na rua
Ínvia por mim de repente
Em noite fria sem lua
Irmão das pedras da rua
Pisadas por toda a gente

Talvez que eu morra entre grades
No meio duma prisão
E que o mundo além das grades
Venha esquecer as saudades
Que roem meu coração

[Talvez que eu morra dum tiro
Castigo de algum desejo
E que à mercê desse tiro
O meu último suspiro
Seja o meu primeiro beijo]

Talvez que eu morra no leito
Onde a morte é natural
As mãos em cruz sobre o peito…
Das mãos de Deus tudo aceito
Mas que morra em Portugal

in Adeus [1951]

Extraído de O Fado da Tua Voz, Amália e os Poetas, Vítor Pavão dos Santos
Bertrand Editora

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2020-03-04

CIRCE - Eugénio de Castro

Minh'alma, onde se miravam rosas,
É hoje, Lídia do meu coração,
Um altar de primeira comunhão
Enfeitado com plantas venenosas.

Meus desejos, noviças cor de lua,
Passeando andavam entre esbeltos lírios,
Quando apareceste serpentina e nua,
Derramadora de letais delírios.

Viram-te os puros como a aurora,
E, deslumbrados pelo sol do teu cabelo,
Foram atrás de ti, cisnes de prata e gelo,
Atrás da guardadora.

Tu lhes disseste coisas de endoidar
Ascetas e abadessas...
Como em taças de ouro, nas suas cabeças,
Simbólicos jasmins fanaram-se a chorar.

Nos braços das luxúrias condenadas
Foram deitar-se os meus amores,
Como róseas Princesas invioladas
Oferecendo-se aos salteadores.

Minha inocência chora sangue sob os teus beijos,
Como fria cabeça espetada num poste...
Lídia! qual Circe foste:
- Em porcos transformaste os meus puros desejos!

Extraído de 366 poemas que falam de amor, uma antologia organizada por Vasco da Graça Moura, Quetzal

Eugénio de Castro (n. em Coimbra a 4 de março de 1869; m. em Coimbra, a 17 de agosto de 1944)

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