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2017-10-31

Canção Final - Carlos Drummond de Andrade


Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.

Carlos Drummond de Andrade (n. Itabira, Minas Gerais, Brasil, 31 de outubro de 1902 — m. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 17 de agosto de 1987).

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2017-10-30

Um Poema de "Elogio da Desconhecida" - Alfredo Guisado

Ela. Seus braços vencidos,
Naus em procura do mar,
Caminhos brancos, compridos,
Que conduzem ao luar.

Se ao meu pescoço os enrola
Eu julgo, com alegria,
Que trago ao pescoço o dia
Como se fosse uma gola.

O Luar, lâmpada acesa
Pra alumiar à princesa
Que em meus olhos causa alarde.

E o dia, longe, esquecido,
É um lençol estendido
Numa janela da Tarde.

Alfredo Pedro de Meneses Guisado (nasceu a 30 de outubro de 1891 em Lisboa, onde faleceu a 2 de dezembro de 1975

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2017-10-27

Canção Grata - Carlos Queiroz


Por tudo o que me deste:
– Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
– Obrigado! Obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
– Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: – Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!

in Poemas de Amor - Antologia de Poesia Portuguesa (org. e prefácio Inês Pedrosa), 6ª edição, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2003, pág. 133.

José Carlos Queirós Nunes Ribeiro (n. Lisboa a 5 de abril de 1907; m. em Paris, 27 de outubro de 1949)

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2017-10-25

Envelhecer - Humberto de Campos


àrvore Vetusta, Outono

Na manhã da existência, ouvindo o peito,
que previa teu vulto no caminho,
dentro em minha alma levantei teu ninho,
e, nesse ninho, preparei teu leito.

Desceu a tarde, e ainda me viu sozinho.
Murcham as flores, que, de leve, ajeito;
de novas rosas tua colcha enfeito,
e o travesseiro, novamente, alinho.

Cai, tristonho, o crepúsculo, na estrada.
Alongo os olhos, atirando um beijo
à forma vaga do teu corpo… E nada!

Recomponho as palavras que não disse.
E, apagando a candeia do Desejo,
adormeço na noite da Velhice.


Humberto de Campos Veras (n. em Miritiba, Maranhão, 25 de outubro de 1886 — m. no Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1934)

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2017-10-24

Versos Nevoentos - Amadeu Amaral


Luta penosa e vã, esta em que vivo, imerso
Na ambição de alcançar a frase que me exprima,
onde o meu pensamento esplenda claro e terso,
como o bago reluz pronto para a vindima.

Como cristalizar tanta emoção no verso?
Como o sonho encerrar nos limites da rima?
Bruma ondulante e azul, fumo que erra disperso,
não se pode plasmar, não há mão que o comprima.

Não, eu não te darei a Expressão que rebrilha
na rija nitidez de áurea moeda sem uso,
acabado lavor de cunho e de serrilha:

só te posso ofertar estes versos nevoentos,
conchas em que ouvirás, indistinto e confuso,
um remoto fragor de vagas e de ventos.
(Espumas, 1917)

Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (nasceu em Capivari, São Paulo a 6 de novembro de 1875 e faleceu em São Paulo a 24 de outubro de 1929)

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2017-10-23

A Dois Belos Olhos - Theóphile Gautier


Sois dona de um olhar misterioso e atraente...
Tal no fundo de um lago a lua refletida,
em vossos olhos rola a pupila, indolente,
onde estranha palheta esplende umedecida.

Eles têm do diamante o fogo, a intensa vida,
e são de água melhor que a pérola do Oriente!
E os cílios no agitar da pálpebra tremida,
longos, velam a meio o seu fulgor veemente.

Dois espelhos de chama, onde, em voejos infindos,
Cupidos vão mirar-se e ainda se acham mais lindos!
Neles se inflamam sempre os desejos, sem calma.

E tão nítidos são, que deixam ver vossa alma,
como celeste flor de cálice ideal
que se visse através de um límpido cristal

(Tradução de Álvaro Reis)

Pierre Jules Théophile Gautier (Tarbes, 31 de agosto de 1811 — Paris, 23 de outubro de 1872)

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2017-10-19

Uma Sombra - Manuel António Pina

Ouves os meus passos nas escadas?
Quando eu bater à porta
não me reconheceremos.
Voltarei de um dia de trabalho,
subirei as escadas
e perder-me-ei para sempre
em qualquer sítio fora de qualquer sítio.
Não foi o caminho de casa que perdi?
Não ficou alguém em qualquer sítio,
uma sombra passando diante de nós,
e principalmente fora de nós?
Agora quem sente
isto fora de mim,
quem é esse ausente?

Manuel António Pina (nasceu no Sabugal em 18 de novembro de 1943, faleceu no Porto em 19 de outubro de 2012)

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2017-10-18

Mocidade - Casimiro de Abreu


Doce filha da lânguida tristeza
Ergue a fronte pendida - o sol fulgura!
Quando a terra sorri-se e o mar suspira
Por que te banha o rosto essa amargura?!

Por que chorar quando a natura é risos,
Quando no prado a primavera é flores?
- Não foge a rosa quando o sol a busca
Antes se abrasa nos gentis fulgores.

Não! - Viver é amar, é ter um dia
Um amigo, uma mão que nos afague;
Uma voz que nos diga os seus queixumes,
Que as nossas mágoas com amor apague.

A vida é um deserto aborrecido
Sem sombra doce, ou viração calmante;
- Amor - é a fonte que nasceu nas pedras
E mata a sede à caravana errante.

Amai-vos! disse Deus criando o mundo,
Amemos! - disse Adão no paraíso,
Amor! - murmura o mar nos seus queixumes,
Amor! - repete a terra num sorriso!

Doce filha da lânguida tristeza
Tua alma a suspirar de amor definha...
- Abre os olhos gentis à luz da vida,
Vem ouvir no silêncio a voz da minha!

Amemos! Este mundo é tão tristonho!
A vida, como um sonho - brilha e passa;
Porque não havemos p'ra acalmar as dores
Chegar aos lábios o licor da taça?

O mundo! o mundo! - E que te importa o mundo?
- Velho invejoso, a resmungar baixinho!
Nada perturba a paz serena e doce
Que as rolas gozam no seu casto ninho.

Amemos! - tudo vive e tudo canta...
Cantemos! seja a vida - hinos e flores;
De azul se veste o céu... vistamos ambos
O manto perfumado dos amores.

Doce filha da lânguida tristeza
Ergue a fronte pendida - o sol fulgura!
- Como a flor indolente da campina
Abre ao sol da paixão tua alma pura!

Setembro - 1858.

Casimiro José Marques de Abreu (nasceu no dia 4 de janeiro de 1839, em Barra de São João, no Estado do Rio, e morreu no dia 18 de outubro de 1860, em Nova Friburgo).

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2017-10-17

A FESTA DO SILÊNCIO - António Ramos Rosa


Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.

Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.

in Volante Verde

António Víctor Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de outubro de 1924, Lisboa, 23 de setembro de 2013

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2017-10-11

Amar ou Odiar - Fausto Guedes Teixeira

Amar ou odiar: ou tudo ou nada
O meio termo é que não pode ser
A alma tem de estar sobressaltada
Para o nosso barro se sentir viver

Não é uma cruz a que não for pesada
Metade de um prazer, não é um prazer!
E quem quiser a vida sossegada
Fuja da vida e deixe-se morrer!

Vive-se tanto mais quanto se sente
Todo o valor está no que sofremos
Que nenhum homem seja indiferente!

Amemos muito como odiamos já!
A verdade está sempre nos extremos
Pois é no sentimento que ela está

Fausto Guedes Teixeira (nasceu na freguesia de Almacave, em Lamego, em 11 de Outubro de 1871 — morreu em Lamego, 13 de julho de 1940)

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2017-10-10

SONHOS DE SOL - Antônio Tavernard


Nesta manhã tão clara é sacrilégio
o se pensar na morte. No entanto
é no que penso úmidos de pranto
os meus olhos cansados.

Sortilégio de luz pela cidade...
As casas todas, humildes e branquinhas
lembram gráceis e tímidas mocinhas
no dia de suas bodas.

Morrer assim numa manhã tão linda,
risonha, rosicler,
não é morrer... é adormecer ainda
na doce tepidez de um seio de mulher!

Não é morrer... é só fechar os olhos
Para melhor sentir o cheiro do jasmim
Escondido da renda nos refolhos!...
Ah! Quem me dera que eu morresse assim.

Antônio de Nazaré Frazão Tavernard nasceu na Vila São João de Pinheiro, atual Icoaraci, em Belém, Pará, a 10 de outubro de 1908 — m. Belém a 26 de maio de 1936

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2017-10-03

Zelos - Zeferino Brazil

Lírios rosa, Eliomar Ribeiro

De leve, beijo as suas mãos pequenas,
alvas, de neve, e, logo, um doce, um breve,
fino rubor lhe tinge a face, apenas
de leve beijo as suas mãos de neve.

Ela vive entre lírios e açucenas
e o vento a beija, e, como o vento, deve
ser o meu beijo em suas mãos serenas,
— tão leve o beijo, como o vento é leve...

Que essa divina flor, que é tão suave,
ama o que é leve, como um leve adejo
de vento ou como um garganteio de ave.

E já me basta, para meu tormento,
saber que o vento a beija, e que o meu beijo
nunca será tão leve como o vento...

Zeferino António de Sousa Brazil (n. em Taquari, Rio Grande do Sul, Brasil a 24 de Abril 1870, m. em 3 de Outubro de 1942 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

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2017-10-02

Lembrando José Cardoso Pires


«Mas a meio caminho voltou para trás, direita ao mar. Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na escuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.
Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem.»

«Marcaste o despertador»
«Hã?»
«O despertador, Quim. Para que horas o puseste?»
«...E tudo à volta era névoa, fumo do mar rolando ao lume das águas e depois invadindo mansamente a costa deserta. Havia esse sudário fresco, quase matinal, embora, cravado no céu verde-ácido, despontasse já o brilho frio da primeira estrela do anoitecer...»
«Desculpa, mas não estou descansada. Importas-te de me passar o despertador?»
«O despertador?»
«Sim, o despertador. Com certeza que não queres que eu me levante para o ir buscar. És de força, caramba.»
«Pronto. Estás satisfeita?»
«Obrigada. Agora lê à vontade, que não te torno a incomodar. Eu não dizia? Afinal não lhe tinhas dado corda... Que horas são no teu relógio? Deixa, não faz mal. Eu regulo-o pelo meu.»

«- Mais um mergulho - pedia a rapariga. A dois passos dele sorria-lhe e puxava-o pelo braço; - Só mais um, Paulo. Não imaginas como a água está estupenda. Palavra, amor. Estupenda, estupenda, estupenda. Uma alegria tranquila iluminava-lhe o corpo. A neblina bailava em torno dela, mas era como se a não tocasse. Bem ao contrário: era como se, com a sua frescura velada, apenas despertasse a morna suavidade que se libertava da pele da rapariga. - Não, agora já começa a arrefecer - disse Paulo. - Vamo-nos vestir? Estavam de mãos dadas, vizinhos do mar e, na verdade, quase sem o verem. Havia a memória das águas na pele cintilante da jovem ou no eco discreto das ondas através da névoa; ou ainda no rastro de uma vaga mais forte que se prolongava, terra adentro, e vinha morrer aos pés deles num distante fio de espuma. E isso era o mar, todo o oceano. Mar só presença. Traço de água a brilhar por instantes num rasgão do nevoeiro. Paulo apertou mansamente a mão da companheira; - Embora? - Embora - respondeu ela. E os dois, numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças de água, alforrecas mortas e tudo o mais, até tombarem de cansaço.» (...)

in Uma simples flor nos teus cabelos claros - Jogos de Azar - José Cardoso Pires

José Cardoso Pires, nasceu em São João do Peso, Vila de Rei, distrito de Castelo Branco a 2 de Outubro de 1925 e faleceu está para fazer dez anos, a 26 de Outubro de 1998.

Passou grande parte da sua infância e adolescência na capital, onde frequentou o Liceu Camões e foi aluno de Rómulo de Carvalho. Mais tarde ingressou no curso de Matemáticas Superiores na Faculdade de Ciências de Lisboa, que não chegou a concluir.

É um dos grandes escritores portugueses do século XX. «Não se identifica com nenhum grupo, nem se fixa em nenhum género literário, apesar de ser considerado sobretudo como um romancista. A característica mais evidente da sua não muito vasta obra (são ao todo dezoito os seus livros publicados em quase cinquenta anos de vida literária) é o facto de cada livro seu inaugurar e completar um ciclo de criação literária»*. Entre outros prémios foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa, 1997 e no ano seguinte o Grande Prémio da Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores.

Obras: Os Caminheiros e Outros Contos (1949), Histórias de Amor (1952), O Anjo Ancorado (romance, 1958), O Render dos Heróis (teatro, 1960), Cartilha do Marialva (ensaios, 1960), Jogos de Azar (contos, 1963), O Hóspede de Job (romance, 1963), O Delfim (romance, 1968), Dinossauro Excelentíssimo (fábula, 1972), E Agora, José? (ensaios, 1977), O Burro-em-Pé (contos, 1979), Corpo-Delito. Na Sala de Espelhos (teatro, 1980), Balada da Praia dos Cães (romance, 1982), Alexandra Alpha (romance, 1987), A República dos Corvos (contos, 1988), A Cavalo no Diabo (crónicas, 1994), De Profundis, Valsa Lenta (1997) e Lisboa, Livro de Bordo (1997).

* escreveu Eunice Cabral
Saiba mais

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