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2013-01-31

Balada de Sempre - Fernando Namora

Espero
a tua vinda,
a tua vinda,
em dia de lua cheia.

Debruço - me sobre a noite
inventando crescentes e luares.

Espero o momento da chegada
com o cansaço e o ardor de todas as chegadas.

Rasgarás nuvens, estradas,
abrindo clareiras
nas sebes e nas ciladas.
Saltarás por cima de mares,
de planícies e relevos
- ânsia alada
no meu desejo imaginada
Mas
enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar
aí além,
lambe-me os braços hirtos, braços verdes
algas de sonho
- e desenha ironias na areia molhada...


Fernando Gonçalves Namora (Condeixa-a-Nova, 15 de Abril de 1919 - Lisboa, 31 de Janeiro de 1989)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Intimidade
Poema Cansado de Certos Momentos
Poema da Utopia
Coisas, Pequenas Coisas
Noite

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Trovas - Luiz Otávio

Toda noite ao me deitar
(por certo você reprova),
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo trova.

Às vezes o mar bravio,
nos dá lição engenhosa:
Afunda um grande navio,
deixa boiar uma rosa

Quem vive pela saudade,
por longos anos ou meses,
possui a felicidade
de reviver várias vezes.

Se a saudade fosse fonte
de lágrimas de cristal,
há muito havia uma ponte
do Brasil a Portugal.

Ao partir para a outra vida,
aquilo que mais receio,
é deixar nessa partida,
tanta coisa pelo meio ...

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.

Busquei definir a vida,
não encontrei solução,
pois cada vida vivida
tem uma definição... “

Não paras quase ao meu lado ... !
e em cada tua partida,
eu sinto que sou roubado
num pouco da minha vida ...

Portugal – jardim de encanto
que mil saudades semeias
nunca te vi ... e, no entanto,
tu corres nas minhas veias ...

Meus sentimentos diversos
prendo em poemas tão pequenos.
Quem na vida deixa versos,
parece que morre menos ...

Contradição singular
que angustia o meu viver :
a ventura de te achar
e o medo de te perder ...

Estrela do céu que eu fito,
se ela agora te fitar,
fala do amor infinito
que eu lhe mando neste olhar ...

Ó mãe querida – perdoa ! ´
o que sonhaste, não sou ...
- Tua semente era boa !
a terra é que não prestou !

Ó trovas — simples quadrinhas
que têm sempre um quê de novo...
— Como podem quatro linhas
trazer toda alma de um povo?!

Tudo nos une: o amor,
o gênio igual, a constância,
até mesmo a própria dor...
— Só nos separa a Distância...

Se é de amor tua ferida,
não busques remédio, — cala!
— O Tempo, aliado à Vida,
lentamente há de curá-la...

Duas vidas todos temos,
— muitas vezes, sem saber...
— A vida que nós vivemos
e a que sonhamos viver...

Do Passado faço culto!
Mas tenho cá o meu rito:
— Se triste, eu o sepulto!
Se feliz, o ressuscito...

É desigual esta vida
pois, nos engana... nos furta...
— Dá velhice tão comprida!
E mocidade tão curta!...

Que sina, que padecer
foi a Sorte aos cegos dar:
— Não ter olhos para ver
e tê-los para chorar...

"Meu Deus como o Tempo passa!...”
— Nós, às vezes, exclamamos...
Mas por sorte ou por desgraça,
fica o tempo... e nós passamos..

Muitas vezes ao partir,
(oh! tortura singular!)
— os que ficam, querem ir...
os que vão, querem ficar...

Gilson de Castro, que usou o nome literário de Luiz Otávio, foi um poeta brasileiro nascido em Vila Isabel, Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1916, tendo falecido na cidade paulista de Santos, em 31 de janeiro de 1977.

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2013-01-30

Querência, Tempo e Ausência - Jayme Caetano Braun



No cartão de procedência
Pouco importa onde nasci,
Busquei rumo e me perdi,
Querência, minha Querência.
Desde então me chamo ausência,
Porque me apartei de ti.

Como o cavaleiro andante
Das léguas que caminhava,
Sempre que me aproximava
Do sonho correndo adiante,
Mais me sentia distante
Daquilo que procurava.

E neste andejar em frente
Sem procurar recompensa
Fui vendo na diferença
Entre passado e presente
Que a lembrança de um ausente
Tem mais força que a presença.

Quem vira mundo não para,
Nem tão pouco desanima
Há uma lei que vem de cima
Na estrada do Tapejara
O tempo que nos separa
É o que mais nos aproxima.

Já no final da existência
Saudade, tempo e distância
Pra conservar a fragrância,
Da primitiva inocência
Me tornei canto de ausência,
Querência da minha infância

Jaime Guilherme Caetano Braun (Timbaúva, 30 de janeiro de 1924 — Porto Alegre, 8 de julho de 1999)

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2013-01-29

A Um Corpo Perfeito - Gomes Leal



Nenhum corpo mais lácteo e sem defeito
Mais róseo, escultural e feminino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Imóvel, nú, sobre o comprido leito! -

Nada te iguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matá-la, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D'aquele corpo sem rival, perfeito.

Por isso é muito altiva e apetecida; -
E o gozo sensual de a ver vencida
Há-de ser forte, estranho e singular...

Como o das coisas dignas de castigo;
- Ou d'um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d'um altar.


in 'Claridades do Sul'

António Gomes Leal (n. em Lisboa a 6 Jun 1848; m. 29 Jan 1921)

Ler do mesmo autor, neste blog:
À Janela do Ocidente
Os Meus Amigos o Palhaço e o Coveiro
O Amor do Vermelho (Nevrose de um Lord)
A Lady

Romantismo
Som e Cor
O Visionário ou Som e Cor III
Cantiga de Campo
À Janela do Ocidente

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2013-01-28

A PARTÍCULA DE DEUS - José Carlos Brandão

Não sei se existe uma partícula de Deus
ou a primeira massa
depois do Big Bang.
Não preciso explicar a origem do universo.
Enquanto se procura o bóson de Higgs
com o Grande Colisor
de Hádrons
de Cern,
eu continuo a me extasiar com as panelas
da cozinha
                                   ou com o infinito das estrelas.


José Carlos Mendes Brandão nasceu em Dois Córregos, SP, em 28 de janeiro de 1947

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2013-01-25

IX - Afonso Lopes Vieira


Leve, leve, o luar da neve
goteja em perlas leitosas,
o luar da neve e tão leve
que ameiga o seio das rosas.
E as gotas finas da etérea
chuva, caindo do ar,
matam a sede sidéria
das coisas que embebe o luar.
A luz, oh sol, com que alagas,
abre feridas, e a lua
vem pôr no lume das chagas
o beijo da pele nua.

(País Lilás, Desterro Azul, 1922)
in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Sec. XXI, Porto Editora

Afonso Lopes Vieira (n. em Cortes (Leiria) a 26 de Janeiro de 1878 e faleceu em Lisboa a 25 de Janeiro de 1946).

Ler do mesmo autor, neste blog:

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2013-01-24

A TARTARUGA (poema infantil) - António Manuel Couto Viana

A Tartaruga
é toda uma ruga
da idade que tem:
mais de cem.
Não gosta de briga:
se alguém a ameaça,
não liga,
oculta na carapaça.
Anda depressa no mar
e, na terra, devagar.
E a tartaruga
em fuga
foge tão lentamente
que até o caracol
lhe passa à frente.

António Manuel Couto Viana (n. Viana do Castelo, 24 de Janeiro de 1923 - m. Lisboa, 8 de Junho de 2010) .

Ler do mesmo autor, neste blog: No Bazar; 23; Súplica a Eros

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2013-01-23

Sombras que passam - Severiano de Rezende

Com que amargura desabrida e insana
Os olhos volvo ao túrgido passado!
Tanta esperança que se desengana
E tanto sonho vão desperdiçado

E tu, meu doce desvario amado,
Sombra perpetuamente desumana,
Vens com o rosto de lágrimas nublado
Em meio à lacrimante caravana.

Segues, e mais do que todas elas triste,
e mais chorosa do que todas elas,
clamando o amor que outrora não sentiste...

Adeus, loucas visões, brancas e belas,
vindes buscar o que já não existe,
sombras errantes de apagadas telas.

José Severiano de Rezende nasceu em Mariana, Minas Gerais, a 23 de janeiro de 1871 e faleceu em Paris no dia 14 de novembro de 1931.

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2013-01-22

Se - Alice Ruiz

Se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...


Alice Ruiz nasceu em Curitiba, Paraná, em 22 de janeiro de 1946

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2013-01-21

Pobre Amor - No Centenário do desaparecimento de Aluísio de Azevedo

Calcula, minha amiga, que tortura!
Amo-te muito e muito, e, todavia,
Preferira morrer a ver-te um dia
Merecer o labéu de esposa impura!

Que te não enterneça esta loucura,
Que te não mova nunca esta agonia,
Que eu muito sofra porque és casta e pura,
Que, se o não foras, quanto eu sofreria!

Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses
Com teus beijos de amor, meus lábios tristes,
Com teus beijos de amor, as minhas faces!

Persiste na moral em que persistes.
Ah! Quanto eu sofreria se pecasses,
Mas quanto sofro mais porque resistes!

Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo (n. São Luís do Maranhão, 14 de Abril de 1857 — m. Buenos Aires, 21 de Janeiro de 1913)

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Este meu sangue... - Manuel Neto dos Santos


Este meu sangue é mouro e tem contornos
Das dunas, modeladas pelo vento,
Dos teus beijos dos quais eu estou sedento,
Do teu corpo despido, sem adornos.

O meu sangue tem sonhos velhos, mornos,
Porque fiz da ilusão o paramento
Que se foi transformando neste unguento.
Foi com a areia e o choro que fiz os fornos...

Dos trigais do passado eu ceifo o trigo.
Cozo o meu pão e o Alcorão bendigo
Quando ao cair da tarde escondo o rosto.

Beijando os grãos de areia modelados
Por estes lábios meus, fiéis, cansados
Do sentir este sangue cor de mosto.

Manuel Neto dos Santos nasceu em Alcantarilha, Silves no dia 21 de Janeiro de 1959.

Ler do mesmo autor neste blog: Primavera Esperada

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2013-01-19

ADEUS - Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade (nasceu em Póvoa de Atalaia a 19 Jan. 1923; m. no Porto a 13 Jun. 2005)

Do mesmo autor ler neste blog:

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2013-01-18

Soneto de Mal Amar - Ary dos Santos

Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

in 'O Sangue das Palavras'

José Carlos Ary dos Santos nasceu em Lisboa a 7 de Dezembro de 1937 e faleceu a 18 de
Janeiro de 1984

As Férias

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2013-01-17

DIAS IRAE - Miguel Torga

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Adolfo Correia da Rocha que usou o pseudónimo de Miguel Torga, nasceu em São Martinho de Anta, Sabrosa, Trás-os-Montes, a 12 de Agosto de 1907; morreu em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995.

Ler do mesmo autor, neste blog: Poema Melancólico a não sei a que Mulher; Mãe; Preservação; Adeus; Depoimento; Procura; Ficam as Sombras; Sei um ninho; Queixa; Hora de amor; Mea culpa; Anátema; Livro de Horas; Encontro; Quase um poema de amor; Perfil; Exorcismo; Bucólica; Arquivo; Rogo; Glória.

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2013-01-16

RECINTO - Carlos Pellicer

Onde porei o ouvido que não escute
minha voz a chamar-te?
E onde não escutar este silêncio
que te afasta lentamente triste?

Eu caminho as horas presenciadas
em nós por nós os dois.
Sei desse fruto maduro das vozes
em campos de setembro.

Sei da noite esbelta e já tão nua
em que nossos corpos eram um.
Sei do silêncio perante a gente obscura,
de calar este amor que é de outro modo.

Enquanto chove a ausência liberto
a escravidão de carne e a alma só
no ar suspende sua águia amorosa
que as nuvens pacíficas igualam.


Trad. de José Bento

in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Carlos Pellicer Cámara (nasceu em Villahermosa, Tabasco, México a 16 jan. 1897; m. 16 fev. 1977 na cidade do México)

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2013-01-15

Balada do Mar de Espinho - Edgar Carneiro (no 2º. aniversário do desaparecimento do poeta)

Eram só três pescadores,
Ou seriam trinta e três.
Quem vai agora contá-los
Um a um de cada vez?
Eram poucos e sozinhos
Mas foram eles os padrinhos
Desta cidade afamada
À beira do nosso mar.

Deram-lhe o nome de Espinho,
Outro também lhe servira
Pelo traçado das ruas
Onde o vento corre livre
Sem medo de tropeçar.

Com muito engenho e sucesso
De pequenina cresceu
Até à saturação.
Tem de tudo que é progresso
Menos ódio e poluição.

Entre o mar e oa casario
As palmeiras logo acenam,
O seu fraterno sinal,
A quem de longe ou de perto
Volta sempre com prazer
Em cada quadra estival.

Cidade de oiro e lazer
Ó jóia da natureza,
A tua maior riqueza
Não vem dos jogos de azar,
Vem da força do trabalho
E dos encantos do mar!

in Mar Amar, Edição do Autor, Janeiro 1993

Edgar Carneiro nasceu em Chaves em 8 de Maio de 1913 e faleceu no Hospital de V. N. de Gaia em 15 de Janeiro de 2011.

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2013-01-14

Cuidado. O amor - Casimiro de Brito


Cuidado. O amor
é um pequeno animal
desprevenido, uma teia
que se desfia
pouco a pouco. Guardo
silêncio
para que possam ouvi-lo
desfazer-se

in Poemas de Amor - Antologia de Poesia Portuguesa
Organização e Prefácio de Inês Pedrosa, Publicações D. Quixote

Casimiro Cavaco Correia de Brito (nasceu em Loulé, Algarve, a 14 de Janeiro de 1938)

Ler neste blog, do mesmo autor:
Cidade Branca
Se

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2013-01-12

O Sol - Lobivar Matos


A manhã estava pra lá de bonita
e eu contentíssimo
porque o fígado me deixara dormir
sossegado,
sem gemer.
Abri a janela do quarto
e o sol mais quente e mais barato
do mundo
me assanhou os instintos.

Senti vontade de me estirar na areia da praia,
de correr na areia da praia para que o sol me esticasse os músculos.
Mas meu pensamento perdeu o equilíbrio
e eu me lembrei
que milhares e milhares de irmãos
trancafiados no xadrez
não podiam como eu, áquela hora,
gozar a delícia e a quentura
do sol mais barato do mundo
E o meu fígado começou a doer
e eu comecei a gemer.

Lobivar Barros de Mattos (Corumbá, 12 de Janeiro de 1915 - Rio de Janeiro, 27 de outubro 1947).

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2013-01-11

AQUI FICAM AS COISAS - Carlos Nejar

Imagem daqui


Aqui ficam as coisas.

Amar é a mais alta constelação.

Os sapatos sem dono
tripulando
na correnteza-espaço
em que deitamos.

As minhas mãos telhado
no teu rosto de pombas.

Os corpos circulando
na varanda dos braços.

É a mais alta constelação.

in Antologia Poética de Carlos Nejar, prefácio,organização e selecção de António Osório, Pergaminho, 1ª edição 2003

Luís Carlos Verzoni Nejar, mais conhecido como Carlos Nejar nasceu em Porto Alegre, a 11 de janeiro de 1939

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2013-01-10

Noites Perdidas - Fernando Pinto Ribeiro

Ao António Mourão

Noites perdidas no sonho
em que morrendo suponho
que vale a pena viver
Noites em que eu me encontrei
tão perdido que me achei
sem sequer me conhecer

Noites de bruma e de breu
em que eu deixei de ser eu
para ser quem sou agora
Noites de luta sangrenta
da treva que me alimenta
com a luz que me devora

Noites das tardas vielas
na solidão das janelas
olhando o mar e a lua
Noites de fogo e de frio
que me inundam como um rio
a transbordar pela rua

Noites do amor feito crime
que me condena e redime
do pecado de viver
Noites em que eu me encontrei
tão perdido que já sei
que vale a pena morrer.

in “Viola Delta XXVII – Poemas sobre Lisboa”,
Lisboa, 1999 – Coordenação de Fernando Grade.
(versão alterada em 2002, em manuscrito enviado para publicação no lavra Boletim de Poesia”)

Extraído daqui
Fernando Pinto Ribeiro nasceu na Guarda em 10 de janeiro de 1928, faleceu em 20 de fevereiro de 2009

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2013-01-09

Difícil Ser Funcionário - João Cabral de Melo Neto

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...


João Cabral de Melo Neto (n. no Recife, a 9 Jan 1920, m. no Rio de Janeiro a 09 Out 1999).


Do mesmo autor:
Paisagem pelo Telefone
Tecendo a Manhã
O Luto no Sertão
A Mulher e a Casa
Mulher Sentada
Num Monumento à Aspirina
A Educação pela Pedra

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2013-01-08

Os objetos indomáveis - Políbio Alves

As palavras
são como areia
movediça
ao incrustar
a familiaridade
das coisas
e dos homens
nas reentrâncias
dos livros.


Extraído daqui
Políbio Alves dos Santos nasceu em 8 janeiro de 1941, no bairro Cruz das Armas, periferia de João Pessoa, Paraíba.

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2013-01-07

Perto muito perto - Helder Moura Pereira

Chego ao pé do limite,
o corpo cansado
traz as setas
do sono e a noite
esconde a alegria.
Onde tudo acontece
passam as imagens,
pressinto as nuvens
sobre os navios, o eco
de sons de aviso.
Como se inquieta
a cabeça tocando outra
na luz atravessada
de luzes. Chego à ponta
dos dedos, à esquina
da memória, adormeço, não
adormeço, canto
para adormecer.
Tudo parte de baixo
para a paisagem
do tecto, alegro-me
porque não é preciso
falar. O que sentes
está aí tão à vista
desaba sobre os olhos
o falso espaço
da casa. E a manhã
perde a luz
que só havia nas palavras.


(Para não falar)

Extraído de Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea Um Panorama Organização de Alberto da Costa e Silva Alexei Bueno Lacerda Editores 1999

Helder Moura Pereira nasceu em Setúbal a 7 de Janeiro de 1949

Ler do mesmo autor, no Nothingandall: Adio o Convite, Provoco; Por um rosto chego ao teu rosto

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2013-01-06

Happy Birthday Irina Shayk






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2013-01-04

A raposa a definir as regras de proteção do galinheiro

«Pomos a raposa a definir as regras de proteção do galinheiro» foi como a deputada do Ana Drago, do Bloco de Esquerda, se referiu à nomeação de António Lobo Xaviier como presidente da comissão de reforma ou revisão do IRC.

Algumas horas depois assisti ao Quadratura do Círculo - um programa de televisão emitido na SIC Notícias por volta das 23 horas de quinta-feira, e que se dedica a comentar questões de carácter político, social e económico - em que Lobo Xavier (bem como António Costa e Pacheco Pereira) é um dos intervenientes. Pois, António Lobo Xavier não se despiu da pele de raposa (embora no nome seja realmente Lobo) ao assumir os cargos que representa mas referindo ser na sua vida profissional, esencialmente, um fiscalista e que, no fundo, não iria ser ele a fazer as leis. Afirmou, com humor, que «nunca irei entrar no galinheiro»...

Esta política, de vez em quando (raramente, admito) ainda nos consegue colocar um sorriso na boca, com algumas saídas humorísticas bem conseguidas...

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Soneto, feito pouco depois de receber o sagrado viático - Dª Catarina Micaela de Sousa César e Lencastre

Grande Deus, que do alto desse trono
Lanças o braço ao pecador contrito,
Escuta do remorso o humilde grito,
Das tuas leis perdoa o abandono.

Tu, da graça eficaz somente o dono,
Que nunca a pena iguala ao delito,
Dá-me sossego ao coração aflito,
Tão próximo a dormir o eterno sono.

Debaixo duma mágica aparência
Encobri os requintes da maldade;
Mas qual é hoje a triste consequência?

Não me negues, Senhor, Tua piedade;
Tira-me do abismo da impudência,
Dá-me uma venturosa eternidade.

Extraído daqui (pdf)
Dª Catharina Michaela de Souza Cézar e Lencastre, dama da
Ordem de S. João de Jerusalém, primeira Viscondessa de Balsemão, nasceu em Guimarães a 29 de Setembro de 1749 e faleceu no Porto a 4 de Janeiro de 1824

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2013-01-03

visto da margem sul do rio o porto - Vasco Graça Moura


visto da margem sul do rio o porto não explode
sob a tarde de verão. a água reflecte
renques de casario humilde a encastelar-se
irregular em ocres e granito, manchas, vãos, recatos.

é quando os jacarandás se fazem desse azul mais surdo
do anoitecer e concentram uma ameaça do tempo
contida nas cores tensas das fachadas, a entrecortar
os jardins do crepúsculo aprendidos de cor.

além umas arcadas, um cais, o traço grosso a carvão
dos encaixes da ponte armada em ferro, a muralha,
o deslizar da luz para poente, tudo
uma dramática placidez escurecendo a ribeira, um vidrado

de presenças esquecidas, palhetas de ouro fosco sobre as barcaças
abandonadas, quase ao alcance da mão, da voz, da alma, é quando
a música há-de vir, lentamente elaborada na memória,
como um sopro da infância e do indizível do mundo.

são estes sons de nada, estes voos que perpassam,
estas estrias da sombra de ninguém
sobre io curso do rio, como nuvens para esta hora, a
encrespar-lhes de leve a superfície.

enquanto parte algum comboio atrasado,
um avião se esvai ao longe, os escritórios fecham,
quero um barco pequeno para a minha travessia,
para a minha chegada e para a minha partida,

para andar entre as margens ou seguir a corrente
até s. joão da foz ver as últimas gaivotas
ainda antes da noite, respirar um não sei quê que se desprende
da travessia, a atravessar-me,

halo vindo das camélias, perfume de penumbras
se mulher, ou para sempre e para nunca mais
um pó da lua na cantareira e na afurada
devagar a acender-se mais rente ao coração.

in Vasco Graça Moura, poesia reunida, vol. 2, 1997-2010, Quetzal

Vasco Graça Moura nasceu na Foz do Douro (Porto), a 3 de Janeiro de 1942.

Ler do mesmo autor, neste blog:
blues da morte de amor
do tempo que passa
o soneto encontrado na garrafa
Soneto do amor e da morte
Lamento por Diotima

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METAMORFOSES - Emiliano Perneta

A Mme. Georgine Mongruel.

Sei que há muita nudez e sei que há muito frio,
E uma voracidade horrível, um furor
Tão desmedido que, quando eu acaso rio,
Quantos não estarão torcendo-se de dor.

Conheço tudo, sim, apalpo, indago, espio...
Tenho a certeza que vá eu para onde for,
Como o escaravelho, hei de o ódio sombrio
Ver enodoar até o seio de uma flor.

Mas sei também que há mil aspirações estranhas,
Que havemos de subir montanhas e montanhas,
Que a Natureza avança e o Homem faz-se luz...

Que a Vida, como o sol, um alquimista louro,
Tem o dom de poder mudar a lama em ouro,
E em límpidos cristais esses rochedos nus!


Ilusão 1911 (soneto extraído daqui)

Emiliano David Perneta (Pinhais, Paraná, 3 de janeiro de 1866 — Curitiba, Paraná, 19 de janeiro de 1921)

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2013-01-02

Origem dos sonhos esquecidos - Mário-Henrique Leiria

Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa branca

Entre o pássaro e a bandeira
vai a distância dum relógio solar

Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância dum lago desesperado

Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo fulgurante

Qualquer pedaço de floresta ou tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em si mesmos
e a noite encontrada para além do grito das panteras

qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se desfazem lentamente

Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu

Qualquer distância
entre tu e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora sorrindo


in A Única Real Tradição Viva
Perfecto E. Cuadrado
Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
Assírio & Alvim

Mário-Henrique Leiria (nasceu em Lisboa a 2 de Jan. 1923 - m. em Cascais, 9 Jan. 1980)

Do mesmoautor no Nothingandall:
Rifão Quodidiano
Cegarrega para crianças

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2013-01-01

À CASUARINAS DO CEMITÉRIO DE DILI - Alberto Osório de Castro

Sonho escuro dos mortos embalai,
Prece das casuarinas!
Vozes vagas dos mortos, ciciai
Nas folhagens franzinas!
Já no céu, resplandece esmorecendo
A púrpura do dia.
Passa a aragem do pântano gemendo
Na romagem sombria.
Que murmuram as bocas das raízes
Aos mortos a sonhar?
Que lhes dizes, ramagem? Que lhes dizes,
A reza e a embalar?

(Lahane, Timor, Abril de 1908).
in A Ilha Verde e Vermelha de Timor
Extraído daqui

Nota: Casuarinas, é uma árvore, casuarina junghuniana, em Tetun: Ai-kakeu. Nalgumas zonas, o arvoredo do Kakeu serve para ensobrear os cafezais; a madeira é usada em postes, vigas e larazes

Alberto Osório de Castro (Coimbra, 1 de Março de 1868 - Lisboa, 1 de Janeiro de 1946)

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