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2014-06-16

Paraíso - David Mourão-Ferreira

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


in "Infinito Pessoal" (1959-1962)

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro 1927 – Lisboa, 16 de junho 1996)

Ler do mesmo autor:
Praia do Esquecimento
Tentei Fugir da Mancha Mais Escura
Presídio
Casa
E Por Vezes
Ilha
Nocturno
Ternura
Labirinto
Penelope
Primavera
Equinócio
Soneto do Cativo


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