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2016-11-01

PAISAGEM - Francisca Júlia

Ganso africano Foto: Roched Seba daqui

Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim das árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre as folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.

Nenhuma ave sequer sobre a macia alfombra
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas adentro entrando, a noite desce, desce...
E espalham-se no céu camândulas de estrelas...


Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de novembro de 1920).

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2012-11-01

Noturno - Francisca Júlia

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério...
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua...
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.


Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920).

Ler da mesma autoria neste blog:
Musa Impassível
À Noite
Inverno
Paisagem

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2012-08-31

OS ARGONAUTAS - Francisca Júlia



The Argonauts, 1949-50, Max Beckmann
Oil on canvas triptych, center panel 80 1/4 X 48";
side panels each 74 3/8 X 33"
Private collection, New York
daqui


Mar fora, ei-los que vão, cheios de ardor insano;
Os astros e o luar — amigas sentinelas —
Lançam bênçãos de cima às largas caravelas
Que rasgam fortemente a vastidão do oceano.

Ei-los que vão buscar noutras paragens belas
Infindos cabedais de algum tesouro arcano...
E o vento austral que passa, em cóleras, ufano,
Faz palpitar o bojo às retesadas velas.

Novos céus querem ver, miríficas belezas,
Querem também possuir tesouros e riquezas
Como essas naus, que têm galhardetes e mastros...

Ateiam-lhes a febre essas minas supostas...
E, olhos fitos no vácuo, imploram, de mãos postas,
A áurea bênção dos céus e a proteção dos astros...

Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920).

Ler da mesma autoria neste blog:
Musa Impassível
À Noite
Inverno
Paisagem
A Um Artista

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2011-11-01

A UM ARTISTA - Francisca Júlia

Mergulha o teu olhar de fino colarista
No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quase:
Um trecho só de prosa, uma estrofe, uma frase
Que patenteie a mão de um requintado artista.

Escreve! Molha a pena, o leve estilo enrista!
Pinta um canto do céu, uma nuvem de gaze
Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze
Na cópia dessa luz que nos deslumbra a vista.

Escreve!... Um céu ostenta o matiz da celagem
Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos,
Irisando, ao de leve, o verde da paisagem...

Uma ave banha ao sol o esplêndido plumacho...
Num recanto de bosque, a lamber os barrancos,
Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo...


Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920).

Ler da mesma autoria neste blog:
Musa Impassível
À Noite
Inverno
Paisagem

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2010-08-31

Musa Impassível - Francisca Júlia

I

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

II

Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.

Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.

Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,

E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.

Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920).

Ler da mesma autoria neste blog:
À Noite
Inverno
Paisagem

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2009-11-01

À Noite - Francisca Júlia


Van Gogh - Starry Night Over the Rhone

Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra;
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois, a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um "requiem" doloroso.

No alto uma estrela triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso...

Em noite escura assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor tão cheia de alma...

É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.

Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920).

Ler da mesma autoria neste blog Inverno; Paisagem

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2008-11-01

PAISAGEM - Francisca Júlia

Ganso africano Foto: Roched Seba daqui

Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim das árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre as folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.

Nenhuma ave sequer sobre a macia alfombra
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas adentro entrando, a noite desce, desce...
E espalham-se no céu camândulas de estrelas...


Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920).

Ler da mesma autoria neste blog Inverno

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2008-08-31

Inverno - Francisca Júlia


Winter in het dorp (Winter in the village) by Willem Maris (1844-110)

Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
ribas! Quão verde e fresca esta planície, quando,
debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
o ar enchiam de sons e queixas misteriosas!

Tudo era vida e amor. As árvores copiosas
mexiam-se, de manso, ao resfôlego brando
da brisa que passava em tudo derramando
o perfume subtil dos cravos e das rosas...

Mas veio o Inverno; e vida e amor foram-se em breve...
O ar se encheu de rumor e de uivos desolados...
As árvores do campo, enroupadas de neve,

sob o látego atroz da invernia, que corta,
são esqueletos que, de braços levantados,
vão pedindo socorro à primavera morta.

FRANCISCA JÚLIA da Silva Münster nasceu em Xiririca, hoje Eldorado (SP) a 31 de Agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de Novembro de 1920. Professora e poetisa, a sua obra é o mais acabado exemplo de parnasianismo: impassibilidade, desinteresse pelo mundo interior, esmero da linguagem, busca de precisão, rigor da métrica, rimas ricas e raras, procura de achados formais; a sua poesia descritiva, paisagística e naturista, eivada de um certo panteísmo, era objectiva, nítida e fria. Agripino Grieco classificou-a mordazmente como «uma groenlandesa extraviada nos trópicos». Quando casou, em 1909, abandonou praticamente toda a actividade literária, mas crente em doutrinas esotéricas e possuída de um pensamento místico, evoluía para um simbolismo melancólico. Morreu, em circunstâncias pouco claras, no próprio dia em que o marido ia a enterrar. Excessiva dose de narcótico? Voluntária ou acidental?


Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

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