Diante do Espelho - António Feijó (na passagem do 92º aniversário da sua morte)
«Sait-on au juste ce que Narcisse a-vu dans la fontaine et quoi il est mort»
Dizem que a Vida é curta... E os que sofrem, famintos?
Para mim é tão longa e tão cheia de enganos,
Que eu penso, ao revolver os meus sonhos extintos,
Que nasci há cem anos!
E espanto-me, fitando o meu rosto ao espelho
Nem uma ruga só, nem um cabelo branco!
Mas nos meus lábios paira um sorriso de velho,
E as lágrimas a errar nos meus olhos estanco...
A fronte guarda ainda a firmeza vaidosa
Que à força juvenil dá relevos de herói;
Mas se o fruto conserva a sua polpa graciosa
Já no seio alimenta o verme que o destrói.
Horas inteiras fico a olhar, hipnotizado,
Essa imagem que o espelho a princípio compôs,
Mas pouco a pouco vejo o meu rosto mudado...
E contudo ninguém entre nós se interpôs!
Traços de mocidade extinguem-se de todo;
O cabelo embranquece a ondular sobre a testa,
E num rosto de asceta, um olhar sem denodo,
Paira como o luar duma noite funesta...
Ponho-me a analisar traço por traço a imagem,
E o meu modo de ser nela se reproduz,
A primitiva sombra era apenas miragem,
Ilusão, aparência ou capricho da luz.
O meu retrato é este, o verdadeiro: é vê-lo!
Não sou eu porventura esse velhinho ansioso?
Tantos anos de dor branquearam-lhe o cabelo,
Mas a resignação deu-lhe o riso bondoso...
(in Poesias Completas, António Feijó, Caixotim Edições)
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