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2016-11-30

Se Alguém Bater - Fernando Pessoa



Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho que já desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!

5-9-1934
in Obra Essencial de Fernando Pessoa - Poesia do Eu - edição Richard Zenith - Assírio & Alvim

FERNANDO António Nogueira PESSOA, nasceu a 13 de Junho de 1888 e faleceu em Lisboa a 30 de Novembro de 1935.

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2016-11-29

A la nave - Andrés Bello

¿Qué nuevas esperanzas
al mar te llevan? Torna,
torna, atrevida nave,
a la nativa costa.

Aún ves de la pasada
tormenta mil memorias,
¿y ya a correr fortuna
segunda vez te arrojas?

Sembrada está de sirtes
aleves tu derrota,
do tarde los peligros
avisará la sonda.

¡Ah! Vuelve, que aún es tiempo,
mientras el mar las conchas
de la ribera halaga
con apacibles olas.

Presto erizando cerros
vendrá a batir las rocas,
y náufragas reliquias
hará a Neptuno alfombra.

De flámulas de seda
la presumida pompa
no arredra los insultos
de tempestad sonora.

¿Qué valen contra el Euro,
tirano de las ondas,
las barras y leones
de tu dorada popa?

¿Qué tu nombre, famoso
en reinos de la aurora,
y donde al sol recibe
su cristalina alcoba?

Ayer por estas aguas,
segura de sí propia,
desafiaba al viento
otra arrogante proa;

Y ya, padrón infausto
que al navegante asombra,
en un desnudo escollo
está cubierta de ovas.

¡Qué! ¿No me oyes? ¿El rumbo
no tuerces? ¿Orgullosa
descoges nuevas velas,
y sin pavor te engolfas?

¿No ves, ¡oh malhadada!
que ya el cielo se entolda,
y las nubes bramando
relámpagos abortan?

¿No ves la espuma cana,
que hinchada se alborota,
ni el vendaval te asusta,
que silba en las maromas?

¡Vuelve, objeto querido
de mi inquietud ansiosa;
vuelve a la amiga playa,
antes que el sol se esconda!

Andrés de Jesús María y José Bello López (Caracas, Venezuela, 29 de novembro de 1781 — Santiago do Chile, 15 de outubro de 1865)

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2016-11-28

Tela Íntima - Campos de Figueiredo

Artist in His Studio, Rembrandt Harmensz. van Rijn.
In the collection of Boston's Museum of Fine Art.!


Lá fora, a noite escura... o vento aos ais,
A soluçar e a rir - doido soturno,
É um violinista trágico e nocturno
Wagnerizando a voz dos temporais!

Lá fora, a chuva fria das procelas...
E cá dentro, ao calor da nossa casa,
O nosso coração a arder em brasa
E o silêncio divino das estrelas

Tu embalas ao colo a nossa Filha...
A luz, a arder, que em nossos rostos brilha,
Dá-lhes um tom rosado de manhã...

E com a estranha e misteriosa tinta,
Com que Deus ao Sol-Posto as coisas pinta;
Nós formamos um quadro de Rembrandt!

José Campos de Figueiredo nasceu em Cernache (Coimbra) a 6 de maio de 1899 e faleceu em Coimbra a 28 de novembro de 1965.

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2016-11-25

O Soneto - Alfredo da Cunha

Dos seus versos no pórfiro sagrado,
se o Amor o inspira, o Génio dos poetas
modela imagens firmemente rectas,
como em nicho precioso e rendilhado.

Mas, se é da Morte o lúgubre inspirado
(como, em tampas de túmulos quietas,
frias estátuas de feições correctas),
molda o vulto dum ídolo chorado.

E, qual se fora em mármores esculpida,
à imagem bela da mulher querida
dão forma e graça as quadras do soneto:

nelas assenta como em leves penas,
o corpo, de que os pés apenas
o estofo abrocadado do terceto.



Extraído de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições
Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

Alfredo Carneiro da Cunha nasceu no Fundão a 21 de dezembro de 1863 e faleceu em Lisboa a 25 de novembro de 1942.

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2016-11-24

Poema das Coisas Belas - António Gedeão (na passagem do 90º aniversário...)

Pôr do Sol

As coisas belas,
as que deixam cicatrizes na memória dos homens,
por que motivos serão belas?
E belas, para quê?

Põe-se o Sol porque o seu movimento é relativo.
Derrama cores porque os meus olhos vêem.
Mas por que será belo o pôr do sol?
E belo, para quê?

Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas,
mas só são coisas quando percebidas,
por que direi das coisas que são belas?
E belas, para quê?

Se acaso as coisas forem coisas em si mesmas
sem precisarem de ser coisas percebidas,
para quem serão belas essas coisas?
E belas, para quê?

in Poesia Completa Antonio Gedeão, Edições João Sá da Costa, Lisboa

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho) n. Lisboa, 24 de novembro de 1906; m. Lisboa, 19 de fevereiro de 1997)

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2016-11-23

Se houvesse degraus na terra... - Herberto Hélder

A fiery red Sun daqui

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Herberto Hélder, Luís Bernardes de Oliveira (n. Funchal, Madeira em 23 de novembro de 1929, ~)

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2016-11-22

Perto Do Meu Corpo - Graça Pires (na passagem do 70º aniversário)

Conheço um rio sem destino,
confluência de mágoas e de sonhos,
onde os barcos navegam para o sul.

Perto do meu corpo nada é interdito,
a não ser um súbito verão
prolongado nas franjas da memória.

Amanhece na espessura dos desejos,
como se a madrugada descrevesse
a violência, em rotação azul,
ou crescessem papoilas nos olhos de quem ama.


Graça Pires (n. Figueira da Foz, 22 de novembro de 1946)

Blog da autora aqui

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2016-11-21

Canção de Todos - Raul de Leoni (na efeméride dos 90 anos do seu desaparecimento)



Duas almas deves ter...
É um conselho dos mais sábios;
Uma, no fundo do Ser,
Outra, boiando nos lábios!

Uma, para os circunstantes,
Solta nas palavras nuas
Que inutilmente proferes,
Entre sorrisos e acenos:
A alma volúvel das ruas,
Que a gente mostra aos passantes,
Larga nas mãos das mulheres,
Agita nos torvelinhos,
Distribui pelos caminhos
E gasta sem mais nem menos,
Nas estradas erradias,
Pelas horas, pelos dias...

Alma anônima e usual,
Longe do Bem e do Mal,
Que não é má nem é boa,
Mas, simplesmente, ilusória,

Ágil, sutil, diluída,
Moeda falsa da Vida,
Que vale só porque soa,
Que compra os homens e a glória
E a vaidade que reboa
Alma que se enche e transborda,
Que não tem porquê nem quando,
Que não pensa e não recorda,
Não ama, não crê, não sente,
Mas vai vivendo e passando
No turbilhão da torrente,
Través intrincadas teias,
Sem prazeres e sem mágoas.
Fugitiva como as águas,
Ingrata como as areias.

Alma que passa entre apodos
Ou entre abraços, sorrindo,
Que vem e vai, vai e vem,
Que tu emprestas a todos,
Mas não pertence a ninguém.
Salamandra furta-cor,
Que muda ao menor rumor
Das folhas pelas devesas;
Alma que nunca se exprime,
Que é uma caixa de surpresas
Nas mãos dos homens prudentes;
Alma que é talvez um crime,
Mas que é uma grande defesa.

A outra alma, pérola rara,
Dentro da concha tranqüila,
Profunda, eterna e tão cara
Que poucos podem possuí-la,
É alma que nas entranhas
Da tua vida murmura
Quando paras e repousas.
A que assiste das Montanhas
As livres desenvolturas
Do panorama das cousas

Para melhor conhecê-las
E jamais comprometê-las,
Entre perdões e doçuras,
Num pudor silencioso,
Com o mesmo olhar generoso,
Com que contempla as estrelas
E assiste o sonho das flores...

Alma que é apenas tua,
Que não te trai nem te engana,
Que nunca se desvirtua,
Que é voz do mundo em surdina.
Que é a semente divina

Da tua têmpera humana,
Alma que só se descobre
Para uma lágrima nobre,
Para um heroísmo afetivo,
Nas íntimas confidências
De verdade e de beleza:

Milagre da natureza
Transcorrendo em reticências
Num sonho límpido e honesto,
De idealidade suprema,
Ora, aflorando num gesto,
Ora, subindo num poema.

Fonte do Sonho, jazida
Que se esconde aos garimpeiros,
Guardando, em fundos esteiros,
O ouro da tua Vida.

Alma de santo e pastor,
De herói, de mártir e de homem;
A redenção interior
Das forças que te consomem,
A legenda e o pedestal
Que se aprofunda e se agita
Da aspiração infinita
No teu ser universal.

Alma profunda e sombria,
Que ao fechar-se cada dia,
Sob o silêncio fecundo
Das horas graves e calmas,
Te ensina a filosofia
Que descobriu pelo mundo,
Que aprendeu nas outras almas

Duas almas tão diversas
Como o poente das auroras:
Uma, que passa nas horas;
Outra, que fica no tempo.

Raul de Leoni Ramos (n. Petrópolis, Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1895; m. Itaipava, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1926)

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2016-11-18

Completas - Manuel António Pina

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em obscuros sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que eu adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


in Poesia, Saudade da Prosa - Uma Antologia Pessoal, Assírio Alvim

Manuel António Pina (nasceu em 18 de novembro de 1943 no Sabugal, m. Porto, 19 de outubro de 2012)

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2016-11-17

Porque o Fim de Um Caminho ... - José Bento


Caminho de Outono imagem daqui

Porque o fim de um caminho sempre me entregou
o limiar de outro caminho,
o verde de um campo ou de um corpo adolescente,
espero que regresse à minha voz
a luz que no primeiro dia a fecundou
e a terra que é o contorno dessa luz.

Porque espero ver crescer minhas mãos dessa terra
e de minhas mãos a água necessária à minha sede,
ergo de mim a noite residual do que vivi
e canto,
canto provocando a madrugada.

Porque outros entoarão meu requiem e outros cerrarão
minha pálpebras para defender meus olhos de suas lágrimas,
deixo essa glória aos outros
- e exalto o meu nascimento
e cada dia em que renasço e procuro
a boca ou o fruto onde se reflitam os meus lábios.

Porque, harmonizando-se no sangue o fogo e a água,
eu sou o fogo e a água:
por mim os cadáveres e quanto é feito de matéria dos cadáveres
libertar-se-ão em chamas, serão claridade
e chegarão a pão pela dádiva das cinzas,
a última dádiva, a total.

Poema extraído de «Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim»

JOSÉ BENTO de Almeida e Silva nasceu no concelho de Estarreja (distrito de Aveiro) a 17 de novembro de 1932.

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2016-11-16

Cinco Sentidos - Alberto d'Oliveira

Cinco sentidos são os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.

Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.

E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,

Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido!


Alberto de Oliveira (nasceu no Porto a 16 de novembro de 1873* e faleceu a 23 de abril de 1940, em S. Mamede de Infesta)

*Seguimos esta fonte

Não confundir com o poeta brasileiro Antônio Mariano de Oliveira (Saquarema, 28 de abril de 1857 — Niterói, 19 de Janeiro de 1937), que usou o pseudónimo literário de Alberto de Oliveira

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2016-11-15

O Acendedor de Lampiões - Jorge de Lima



Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: —
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua.

Jorge Matheus de Lima (n. em União de Palmares, Alagoas a 23 de abril de 1893, m. no Rio de Janeiro a 15 de novembro de 1953)

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2016-11-14

Como esses bois que andam... - Alberto Bramão

Como esses bois que andam puxando às noras,
em passo melancólico e ronceiro,
sem alterar a marcha do ponteiro,
o meu relógio vai marcando as horas

Quer no céu brilhem rútilas auroras
ou caia e morra o sol no mar fragueiro,
o tempo segue o curso rotineiro,
sem paragens, sem pressas ou demoras.

Somente quando o nosso olhar enxuto
tem clarões de ventura fugidia,
cada hora é mais curta que um minuto...

Mas, nas horas de dor ou desengano,
cada minuto dura mais que um dia
e cada dia dura mais que um ano!


D. Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão (n. Almada, Nov. 1865; m. Lisboa, 14 Nov 1944)

in A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa- 2004 Edição Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL.

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2016-11-11

E de repente, assim de repente, o mundo se tornou mais triste: Leonard Cohen faleceu



Leonard Norman Cohen (Montreal, 21 de setembro de 1934 - Los Angeles, 7 de novembro de 2016*)
* o anúncio da sua morte foi feito apenas a 10 de novembro

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Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes - Sosígenes Costa



Queima sândalo e incenso o poente amarelo,
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.

Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.

Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.
Entre os ases da flora, os meus lírios lilases.
Meus pavões cor-de-rosa, os únicos do mundo.

E assim sou castelão e a vida fez-se oásis
pelo simples poder, ó pôr-do-sol fecundo,
pelo simples poder das sugestões que trazes.

Sosígenes Costa (n. em Belmonte, Bahia, Brasil, 11 de novembro de 1901 - m. no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de novembro de 1968).

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2016-11-10

Soneto - Coreia Garção

A uma senhora a quem o autor chamava Mãe


Comigo minha Mãe brincando um dia
a namorar c'os olhos me ensinava,
mas Amor que em seus olhos me esperava
com mil brilhantes farpas me feria.

De quando em quando mais formosa ria
porque incapaz do ensino me julgava.
Porém tanto a lição me aproveitava
que suspirar por ela já sabia.

Em poucas horas aprendi a amá-la.
Ditoso se tal arte não soubera
Não me custara a vida não lográ-la.

Certo que aprender menos melhor era
pois não soubera agora desejá-la
nem de tão louco amor enlouquecera.

in Parnaso Lusitano ou Poesias Selectas dos Auctores Portuguezes Antigos e Modernos, Tomo III, Paris, em casa de J.P. Aillaud, M DCCC XX VII.

Pedro António Correia Garção (Lisboa, 13 de junho 1724 — Lisboa, 10 de novembro 1772

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2016-11-09

CONTEMPLANDO O CÉU - Pereira da Silva



Contemplo o céu noturno - o belo, fundo,
Constelado esplendor que me fascina
E me faz pressentir que tudo é oriundo
Do só poder da emanação divina.

Agora, neste instante, me domina
Uma única ideia: é que se o mundo
É vil e a nossa mente pequenina,
O sentimento humano é bem profundo!

Que importa a Dor? Que importa a imensidade
Implacável da Dor num tal momento,
Em que a graça dos deuses nos invade

Se, de espírito em êxtase, olhar fito
Nos céus – gozamos o deslumbramento
De ser outro infinito ante o infinito?

Beatitudes (1919)

Pereira da Silva (Antônio Joaquim P. da S.), jornalista e poeta, nasceu em Araruna, Serra da Borborema, PB, em 9 de novembro de 1876, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 11 de janeiro de 1944.

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2016-11-08

Além de Mim - Teixeira de Pascoaes

Quando o sol é um sorriso desfazendo
A escuridão soturna,
Nos meus olhos, também amanhecendo,
É beijo aceso a lágrima nocturna…
E quando a noite, espectro de outro mundo,
Por sobre a terra desce,
Todo o meu ser—tão pálido!—arrefece
E se torna sem margens e sem fundo…
Assim a minha vida é o fim das Cousas,
Seu estranho e fantástico destino!
As serras fragorosas
E o sol, astro divino,
Perdem-se no meu corpo em tempestade…
Meu corpo…ignoto mar;
Enlouquecida estátua de saudade,
A sonhar, entre nuvens, e a falar…
Que existe além de mim?
Silêncio, fria treva, solidão;
Um vago Azul sem fim,
A sombra da futura Criação

Extraído de Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) nasceu em 8 Nov 1877 (*) em Amarante; m. em 14 Dez. 1952.
(*) Conforme assento oficial de nascimento; de algumas fontes biográficas consta a data de 2 de novembro

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2016-11-07

Se Eu Fossa Apenas - Cecília Meireles



Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!

Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!

Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
- de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...


in 366 poemas que falam de amor, uma antologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal Editores

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)

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2016-11-04

Face - Augusta Faro


Nada me contenta,
em nada me encontro,
quando me virem escutando o canto
das sereias ao meio-dia.

São horas de espanto
de assustada lenda,
que me refletem em ramagens,
brancos os meus cabelos
e dedos barrocos
como rocas e retratos
Quando me virem de boca selada,
um relógio de sol estático
é meu espanto,
nada me contenta,
em nada me encontro.

Augusta Faro Fleury de Melo é natural de Goiânia, Goiás, Brasil onde nasceu a 4 de novembro de 1948.

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2016-11-03

NÃO ME DEIXES - Gonçalves Dias

Purple flower riverFlores perto dum regato imagem daqui

Debruçada nas águas dum regato, A flor dizia em vão À corrente, onde bela se mirava… "Ai, não me deixes, não!" "Comigo fica, ou leva-me contigo Dos mares à amplidão: Límpido ou turvo, te amarei constante; Mas não me deixes, não!" E a corrente passava; novas águas Após as outras vão; E a flor sempre a dizer, curva na fonte: "Ai, não me deixes, não!" E das águas que fogem incessantes À eterna sucessão, Dizia sempre a flor, e sempre embalde: "Ai, não me deixes, não!" Por fim desfalecida e a cor murchada, Quase a lamber o chão, Buscava inda a corrente por dizer-lhe Que a não deixasse, não. A corrente impiedosa a flor enleia, Leva-a do seu torrão; A afundar-se dizia a pobrezinha: "Não me deixaste, não!"

in Cinco Séculos de Poesia, Antologia da Poesia Clássica Brasileira; Selecção e Introdução de Frederico Barbosa, Landy Editores.

Antônio Gonçalves Dias (nasceu no dia 10 de agosto de 1823, nos arredores de Caxias, no Maranhão. Faleceu ao regressar de uma viagem à Europa, no naufrágio do "Ville de Boulogne", já próximo do Maranhão, a 3 de novembro de 1864).

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2016-11-02

A Diferença Que Há - Jorge de Sena

A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
É que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
A ver se conseguem decifrá-lo, e estes
Abrem o livro, lêem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas) e sabem logo do assunto
o que os outros não conseguiram saber. Por isso é que
os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem ter lido nada
(e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,
E desacreditam a gaya Scienza

in VISÃO PERPÉTUA (1982)

Jorge Cândido de Sena (n. em Lisboa a 2 de novembro de 1919; m. em Santa Bárbara, Califórnia a 4 de junho de 1978)

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2016-11-01

PAISAGEM - Francisca Júlia

Ganso africano Foto: Roched Seba daqui

Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim das árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre as folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.

Nenhuma ave sequer sobre a macia alfombra
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas adentro entrando, a noite desce, desce...
E espalham-se no céu camândulas de estrelas...


Francisca Júlia da Silva Munster (n. antiga Vila de Xiririca, hoje Eldourado, no vale do Ribeira, São Paulo a 31 de agosto de 1871 e faleceu em São Paulo a 1 de novembro de 1920).

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