Súplica Ao Vento - António Feijó
A Luiz de Magalhães
Grito ao Vento que passa a galopar na treva:
— «Escuta a minha dor!»--rouco, de braços hirtos,
A ver se ele ouve e ao longe esta Saudade leva!
«Meus queixumes, ó Vento, hão de em ânsia ouvir-tos
Esses campos que amei, vinhas, rios suaves,
Pomares, laranjais, bosques de louro e mirtos,
Onde, inverno e verão, nunca emudecem aves,
Onde nunca se extingue o murmurar das fontes,
Todo o ano a correr entre rosais e agaves...
Vento largo, que vens de ignotos horizontes!
No teu rugido absorve o meu grito pungente!
Vai repeti-lo ao mar e aos pinheirais dos montes,
Para tornar mais triste o seu gemer plangente,
Mais expressivo e humano o seu lamento amargo,
Como um eco, a expirar, desta noite inclemente!
Leva contigo, ó Vento, este gemido ao largo,
A ver se nele alguém a minha voz conhece,
Nessas terras de luz, sem hiemal letargo,
Onde o Estio a cantar longos meses se esquece,
E onde o Sol não é só lâmpada que ilumina,
Mas o Ágni criador que tudo anima e aquece!
Debalde, sobre mim, na sua graça divina,
Almas puras, abrindo a plumagem das asas,
Com o ardor que nenhuma angústia contamina,
Espalham no meu lar como um calor de brasas...
— Para fundir de todo esta geada tão densa,
Só tu, meu claro Sol, que até de inverno abrasas!
Vento frio, que vais da minha noite imensa,
Tenebroso e a rugir! - leva a minha Saudade,
Como uma estrela a arder, na tua asa suspensa!
Quando essa luz passar, com que mágoa não há-de
Reflecti-la o meu rio, e acariciá-la, vendo
Que vai dos olhos meus a ténue claridade!
Mas então, Rio amado, as tuas águas descendo
Nessa luz reflectida, a tremer como um luar,
Todo o passado irei nas tuas margens revendo,
E o coração talvez se esqueça de chorar,
Como manta que a voz de Loreley enleva,
E para a morte vai nesse enlevo a cantar...
Vento surdo, que vais a galopar na treva!
Pára um momento! Escuta a minha voz clamante
Vê como sofro, e ao longe esta Saudade leva!»
Mas o Vento não ouve o meu grito alarmante!
Ai de mim, que sou eu?! pobre louco exilado,
De toda a parte vendo o meu país distante,
Como se lá tivesse os meus olhos deixado!
(in Poesias Completas, António Feijó, Prefácio de J. Cândido Martins, Caixotim Edições)
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