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2011-05-01

Mãe - Miguel Torga

Mãe: Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!


S. Martinho de Anta, 1 de Junho de 1948

in Nihil Sibi - extraído de POESIA COMPLETA - MIguel Torga, 1ª Edição, Publicações Dom Quixote, pág. 339

Adolfo Correia da Rocha que usou o pseudónimo de Miguel Torga, nasceu em São Martinho de Anta, Sabrosa, Trás-os-Montes, a 12 de Agosto de 1907; morreu em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995.

Ler do mesmo autor, neste blog: Preservação; Súplica; Adeus; Depoimento; Procura; Ficam as Sombras; Sei um ninho; Queixa; Hora de amor; Mea culpa; Anátema; Livro de Horas; Encontro; Quase um poema de amor; Perfil; Exorcismo; Bucólica; Arquivo; Rogo; Glória.


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