Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa
NÃO SEI QUANTAS almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo,
É do que nasce, e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo,
É do que nasce, e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
24-8-1930
in Obra Essencial de Fernando Pessoa, Poesia do Eu, edição Richard Zenith, Assírio & Alvim
FERNANDO António Nogueira PESSOA nasceu a 13 de Junho de 1888 e faleceu em Lisboa a 30 de Novembro de 1935).
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