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2014-06-30

Na vida somos iguais - Reinaldo Ferreira

Na vida somos iguais
Às peças que no xadrez
Valem o menos e o mais,
Segundo o acaso que a fez.

Do mesmo cepo nascer
Para as batalhas pensadas,
Aos mais, peões de perder,
A raros, ficções coroadas.

Mas, findo o jogo, receio
Que, extintas as convenções,
Durma a rainha no meio
Dos mal nascidos peões.


Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (n. em Barcelona, a 20 de Março de 1922; m. em Moçambique a 30 de Junho de 1959).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Da margem esquerda da vida
Rosie
Vivo na esperança de um gesto
Quem dorme à noite comigo
Meu Quase Sexto Sentido
Uma Casa Portuguesa
Passemos Tu e Eu Devagarinho
Duma outra infância, inventada

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2014-06-29

OS VAGABUNDOS - Afonso Schmidt

Perdidos pela estepe enegrecida e rasa,
Nessa planície igual que a distância arredonda,
Que o inverno enregela e que o verão abrasa,
Dos vagabundos passa a maltrapilha ronda.

As miragens do céu são como pétrea onda...
E o vento forasteiro essa visão arrasa,
Quebrando torreões de arquitetura hedionda,
Catedrais de marfim e florestas de brasa!

Eles passam cantando uma canção dolente,
E vão deixando atrás, por sobre a terra ardente,
Dos seus inchados pés os passageiros rastros...

E quando a noite desce aos desertos medonhos,
Deitam-se sobre a terra e sonham lindos sonhos
Na solidão da estepe e na mudez dos astros!


Afonso Schmidt nasceu em Cubatão, Estado de São Paulo, a 29 de junho de 1890, m. em São Paulo a 3 de abril de 1964).


Ler do mesmo autor, neste blog:
Zingarella
Cubatão
Chromo
O Poema da Casa Que Não Existe
Simpatia (Poema infantil)

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2014-06-27

DELÍRIO - João Guimarães Rosa

No parque morno, um perfumista oculto
ordenha heliotrópios...
Deixa aberta a janela...

Minhas mãos sabem de cor o teu corpo,
e a alcova é morna...
Apaguemos a luz...

Não sentes na tua boca
um gosto de papoulas?...

Passa o lenço de seda de tuas mãos
sobre minha fronte,
e não me digas nada:
a febre está, baixinho, ao meu ouvido,
falando de ti...


In Magma, 1936 (publicado em 1997)

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, Minas Gerais, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967).

Da mesma autoria ler Consciência Cósmica

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2014-06-26

O Beija-flor - Tobias Barreto

Era uma moça franzina,
Bela visão matutina
Daquelas que é raro ver,
Corpo esbelto, colo erguido,
Molhando o branco vestido
No orvalho do amanhecer.

Vede-a lá: tímida, esquiva...
Que boca! é a flor mais viva,
Que agora está no jardim;
Mordendo a polpa dos lábios
Como quem suga o ressábio
Dos beijos de um querubim!

Nem viu que as auras gemeram,
E os ramos estremeceram
Quando um pouco ali se ergueu...
Nos alvos dentes, viçosa,
Parte o talo de uma rosa,
Que docemente colheu.

E a fresca rosa orvalhada,
Que contrasta descorada,
Do seu rosto a nívea tez,
Beijando as mãozinhas suas,
Parece que diz: nós duas!...
E a brisa emenda: nós três! ...

Vai nesse andar descuidoso,
Quando um beija-flor teimoso
Brincar entre os galhos vem,
Sente o aroma da donzela,
Peneira na face dela,
E quer-lhe os lábios também
Treme a virgem de surpresa,

Leva do braço em defesa,
Vai com o braço a flor da mão;
Nas asas d’ave mimosa
Quebra-se a flor melindrosa,
Que rola esparsa no chão.
Não sei o que a virgem fala,
Que abre o peito e mais trescala
Do trescalar de uma flor:

Voa em cima o passarinho...
Vai já tocando o biquinho
Nos beiços de rubra cor.
A moça, que se envergonha
De correr, meio risonha
Procura se desviar;
Neste empenho os seios ambos
Deixa ver; inconhos jambos
De algum celeste pomar! ...

Forte luta, luta incrível
Por um beijo! É impossível
Dizer tudo o que se deu.
Tanta coisa, que se esquece
Na vida! Mas me parece
Que o passarinho venceu! ...

Conheço a moça franzina
Que a fronte cândida inclina
Ao sopro de casto amor:
Seu rosto fica mais lindo,
Quando ela conta sorrindo
A história do beija-flor. 


 Tobias Barreto de Meneses (n. Vila de Campos do Rio Real, 7 de junho de 1839 — m. em Sergipe, 26 de junho de 1889)

Do mesmo autor ler

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2014-06-25

Poema da Amada Escurecida - Ruy Barata

Quero enfim repousar,
quero enfim adormecer sobre a grande noite
da amada escurecida.
Apaguem todas as luzes,
apaguem o canto iluminado das mortalhas,

apaguem o próprio silêncio deste exílio
e a lembrança da amada escurecida.

Quero enfim repousar,
quero enfim adormecer sob a noite gelada,
sepultar o meu canto nas paredes eternas
pássaro louco prestes a descer às trevas abismais.

Quero enfim repousar,
eu o jamais sepultável dos poemas,
o que espera as visões da grande madrugada,
o que faz os teus olhos abertos compassivamente
para o grande retorno da amada escurecida.


Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990)

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