Biografia - Pedro Homem de Mello
Com lírios nas mãos de neve,
Subi ao último andar
A haver farda, era tão leve
Que fui subindo a cantar!
E fui subindo, subindo…
Só parei no patamar,
Abri portas e janelas
Para poder respirar.
Tudo o que se via delas
Tinha a cor do meu olhar.
Da varanda me inclinei,
Para medir-lhe o tamanho.
Ai! dos vassalos de El-Rei
Aos quais El-Rei fica estranho!
Lá do alto, cá em baixo, o rio
Transformara-se em regato.
Reparei que, debruçadas,
Sobre o seu leito vazio,
Faias, apontando espadas,
Lhe exigiam um retrato.
Soprou, de súbito, o vento!
Varreu a noite a direito,
Rindo... Que risada fria!
Entanto o solar, ao vento,
Erecto, fazendo peito,
Resistia, resistia...
Mas, das brechas do telhado,
Água, sôfrega, escorrera.
E o torreão do solar
- Ameias de pedra ou cera?
Era um pássaro assustado
Sem asas para voar!
Vendo o palácio desnudo,
Mandei chamar mil pedreiros.
Quiseram-me apunhalar
Consigo levaram tudo:
As alfaias, os dinheiros
E até as rosas do altar!
Todavia, de repente,
Serenou. E a Torre tinha
Não só pálpebras de gente
Como a luz do meu olhar.
E na casa, outra vez minha,
Recomecei a cantar
Tonto, cada vez mais tonto,
De pé, aquele solar,
Parando,
De vez em quando
Sem saber até que ponto
Podia a noite voltar!
(Fandangueiro, 1971)
in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora
Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello (n. Porto em 6 de Setembro de 1904 - m. Porto, 5 de Março de 1984).
Ler do mesmo autor, neste blog:
Oásis
Véspera
Berço
Obrigado
O Bailador de Fandango
Uma Ânsia de Nudez
Povo que lavas no rio
Fado
Não choreis os mortos
Revelação
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