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2011-03-14

Ahasverus e o gênio - Castro Alves (no Dia da Poesia)

   Sabes quem foi Ahasverus?...— o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!

Eterno viajor de eterna senda...
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande... o forasteiro
Não teve onde... pousar.

Co'a mão vazia — viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe — o grão de areia,
A gota d'água — rejeitou-lhe o mar.

D'Ásia as florestas — lhe negaram sombra
A savana sem fim — negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!...

Tabas, serralhos, tendas e solares...
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.

Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão ...

Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração! ...

E caminhou!... E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.

Ai! Fazia tremer do vale à serra...
Ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.

"Ele não morre", a multidão dizia...
E o precito consigo respondia:
— "Ai! mas nunca vivi!" —

................................
O Gênio é como Ahasverus... solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.

Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos...
E sempre a caminhar... sempre a seguir...

Pede u'a mão de amigo — dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor — e as outras almas
Fogem pasmas de si.

E o mísero de glória em glória corre...
Mas quando a terra diz: — "Ele não morre"
Responde o desgraçado: — "Eu não vivi!..."
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas Para o Futuro, Porto Editora

António Frederico de CASTRO ALVES nasceu em Muritiba (BA) a 14 de Março de 1847 e morreu, em São Salvador (BA) a 6 de Julho de 1871

De Castro Alves já divulgámos aqui neste blog Boa Noite, O Adeus de Teresa; Adormecida
Beijo Eterno; Mocidade e Morte; Horas de Saudade


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