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2015-08-06

Pintura - Albano Martins

Onde se diz espiga
leia-se narciso.
Ou leia-se jacinto.
Ou leia-se outra flor.
Que pode ser a mesma.

As flores
são formas
de que a pintura se serve
para disfarçar
a natureza. Por isso
é que
no perfil
duma flor
está também pintado
o seu perfume.

in "Castália e Outros Poemas"

Albano Dias Martins (n. Fundão, 6 de agosto de 1930)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Gramática da noite e do teu corpo
Crepúsculo de Agosto
E me disseste: vem
Entardecer na Praia da Luz

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DESTINO DO SER - Fernando de Lacerda (na efeméride dos 150 anos do nascimento)

Nascer... Lutar... Morrer... Será só isto a vida?
Morrer... Parar... Findar... Será só isto a morte?
Será o humano ser como a folha perdida,
Que em vendaval fortuito o Acaso em si transporte?


Nascer, sofrer, lutar! Que vã e inglória lida
Seria para ter tão miserável sorte!
Que inútil criação, que coisa incompreendida
Se o nosso ser findasse ao regelar da morte!

Que valia o viver nas garras da Tortura,
E o nosso esforço ingente em busca da verdade
No Amor, no Ideal, na Fé, no âmago da Natura,

Se o ser se aniquilasse, inútil, no morrer?
Mas não... Não se aniquila. É dele a Eternidade.
Morrer é progredir e acumular saber.

Fernando Augusto de Lacerda e Mello, melhor conhecido simplesmente como Fernando de Lacerda (Loures, 6 de agosto de 1865 – Rio de Janeiro, Brasil, 6 de agosto de 1918)

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2015-08-04

Feiticeira - Delfim Guimarães

Nunca lhe confessara o amor ardente
Que ela em mim despertou, mal eu a vira;
Escondia-o no peito, avaramente,
Receando que alguém mo descobrira

Guardava-o p'ra comigo unicamente...
Arrancar-mo? Ninguém o conseguira!
Dizer-lho a ela? Nem sequer à mente
Essa ideia, confesso, me acudira.

Mas certo dia, em seu olhar tão doce
Vi fulgir um clarão, o quer que fosse
Que me intrigou...Interroguei-a a medo,

E soube então, surpreso e alvoroçado,
Que os seus olhos haviam desvendado
O que eu na alma guardava: o meu segredo!


in «Os Dias do Amor, um poema para cada dia do ano», recolha, selecção e organização de Inês Ramos, Ministério dos Livros

Delfim de Brito Guimarães (n. no Porto, em 4 de agosto de 1872; m. na Amadora em 6 de julho de 1933).

Ler do mesmo autor, neste blog:
A Primeira Palavra
A Hora da Partida
A Cor do Cabelo

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2015-08-03

Testamento Aberto - Políbio Gomes dos Santos

Só para ver curar minhas pernas partidas
Nas dores eternas
Dos saltos gorados
Eu amo a aparente inconsciência dos loucos,
Embora fique aos poucos nos meus saltos
Desabridos e falhados

Apraz-me, no espelho, esta face esmagada,
à força de querer transpor o além
Da minha porta fechada...

Porém,
Seja o que for, que seja,
Se uma CERTEZA alcanço
E uma mulher me beija.

Que importa
Que eu fique molemente olhando a minha porta
Aberta,
Ou que eu parta e a morte me espreite
Num desfiladeiro?...
E quem virá chorar e quem virá,
Se a morte que vier for a de lá
Certeira e minha...
E merecida como um sono que se dorme
Após a noite perdida?...

E que piedade anda a escrever um frágil,
Na piedade dos ossos
Que trago emprestados...
Que deixarei ficar ao sol e à chuva
E que serão limados
No entulho dos calhaus que também foram rocha?...

Para quê, se mil vezes provoco
Os tombos do chegar e do partir?!
-A minha fragilidade
Foi-me dada
Para me servir


in Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Selecção, organização, introdução e notas Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora

Políbio Gomes dos Santos (n. Ansião, 7 de agosto de 1911 — m. Ansião, 3 de agosto de 1939)

Do mesmo autor, neste blog:
Epitáfio
Momento
Radiografia
Poema da Voz que Escuta
Genesis

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2015-08-01

Gratidão que nem sabe a quem deve ser grata - António Osório

Gratidão de ser
por estes anos
e partículas restantes.

Pela amizade,
que chega a confundir o amor.

Pela bondade,
que torna a solidão desvalida.

Pela hombridade,
à altura do céu.

Pela beleza,
que só à santidade
sobrepassa.

E é flagrante, perdulária,
noutros renascente.

Gratidão
que nem sabe
a quem deve ser grata.

Pelas aves nutrindo os filhos
de penugem e voo.

Pela lentidão escrupulosa
da tartaruga, igual à de Plutão.

Pela leveza materna do vento
transportando pólen.

Pelo calor humílimo
da joaninha sobre a nossa mão.

E por estar na terra
uma só vez, ao sol,
nada pedindo, nenhum segredo,
como um velho lobo-do-mar.


António Osório , in "O lugar do Amor", Gota de Água, Porto, 1981

António Gabriel Maranca Osório de Castro nasceu em Setúbal a 1 de agosto de 1933

 Ler do mesmo autor, neste blog:
Paciências
Um Sentido
Aqui em Siena
Prado e Cofre

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