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2013-05-19

Além-tédio - Mário de Sá-Carneiro

Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...


Mário de Sá-Carneiro (n. Lisboa a 19 Mai 1890, m. em Paris (suicidio) a 26 Abr 1916)

Ler do mesmo autor:
Quase;
Dispersão;
Último Soneto
O Recreio
Fim
Crise Lamentável
Escavação
Ápice
Quasi
I lost myself within myself... (tradução parcial do poema Dispersão)
A Queda
IX - Como eu não possuo


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