A Graça - Alexandre Herculano
Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? – ama.
Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso? – Não; só formosura.
Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver,
– Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama! – O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:
É a luz divina
que nunca mudou,
É luz ... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.
Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?
És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?
Oh! Sim! és tu, que na infantil idade,
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: – «acorda, inocentinho,
Faze o sinal da cruz.»
És tu que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar
Em nuvem d’ouro e púrpura descendo
Co’as roupas a alvejar.
És tu, és tu ! que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos céus, do mar dormente.
És tu, és tu! que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.
Sinto a tua voz de novo,
Que me revoca a Deus:
Inspira-me a esperança,
Que te seguiu dos Céus!...
Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de Março de 1810 — Quinta de Vale de Lobo, Azóia de Baixo, Santarém, 13 de Setembro de 1877)
Ler ainda no Nothingandall: No Bicentenário do Nascimento de Alexandre Herculano - A Semana Santa; A Rosa
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