Minha vida - Gilberto Amado
Vai minha vida nas asas do perigo.
Minha vida profusa, diferente,
Com o seu povo de surpresas
Com os seus guias de sempre,
O Imprevisto e o Extraordinário.
Alegre mas arfante, sadia mas fantástica.
Minha vida, que desenho curioso,
Aberta ao arrepio da corrente,
Em abruptas arestas de contrastes!
Longe da estrada comum onde mora o Possível,
E onde o Fácil brinca triunfante com o Normal.
E sobretudo longe do vale da Paz!
O Imprevisto, o Extraordinário,
Esses filhos ricos do Destino,
A tomaram consigo e a arrebataram
No seu louco saltar e nas suas correrias
Para um mundo de abismos.
Viver é seguir, continuar, geometria plana, linha reta.
Eu ao contrário me puseram num espaço de turbilhão,
Num sistema de prismas e de polígonos,
Num esquema de relâmpagos.
Cada minuto, cada ponto, na linha da minha existência
Pode ser um milagre ou um desastre, uma estrela
ou um precipício.
Não será o ponto que deve ser, direito, no seu lugar,
Não será o minuto cotidiano do relógio,
O minuto que eu quisera . . .
É um minuto de túmidos relevos,
Ou de côncavos rebojos.
Ou erguido demais
Ou cavado bem fundo.
Ora réstia de lâmpadas divinas,
Ora hálito de pântanos imundos.
Ó minuto, eu quero parar.
Amigos meus, e meus algozes
- Imprevisto, Extraordinário...
Quero silêncio, quero norma.
Deixai-me construir a minha casa
À beira do rio Regular,
Na rua do Relativo,
Na vizinhança do Conforme,
Sobretudo à sombra da árvore plausível "do que se espera".
Gilberto de Lima Azevedo Souza Ferreira Amado de Faria (n. a 7 de Maio de 1887 em Estância, Sergipe, Brasil; m. em 27 de Agosto de 1969 no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil)
0 comments:
Enviar um comentário