Ironia do coração - Luis Murat
Como estavas formosa entre o mar e a minh'alma!
Ias partir... no céu vinha rompendo a aurora.
Eu te pedia - luz, tu me pedias - calma;
Eu te dizia: - "Crê"; tu me dizias: - "Chora!"
Beijei-te as mãos, beijei-te os pequeninos pés,
Como os lábios de um padre um assoalho sagrado.
Longe, ouvia-se ainda, entre os caramanchéis,
A melodiosa voz do luar apaixonado.
"É a voz do nosso amor, nos esponsais das flores.
Não chores mais, acalma a tua ansiedade.
Assim, como hei de eu dar tréguas às minhas dores,
E recalcar no peito esta amarga saudade?"
Partiste... Sobre mim cerrou-se a escuridão.
E eu não ouso subir aos meus sonhos agora,
Porque, irônico e mau, me grita o coração,
Quando não creio: "crê!", quando não choro: "chora!"
(Poesias escolhidas, 1917)
Luís Murat (n. Resende, Rio de Janeiro, 4 Mai 1861; m. Rio de Janeiro, a 3 Jul 1929)
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