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2015-06-30

Medo - Reinaldo Ferreira (na voz de Amália)



Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem, desdigo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

[Que farei quando deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?]

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.


in O Fado da Tua Voz, Amália e os Poetas, Vítor Pavão dos Santos, Bertrand Editora

Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (n. em Barcelona, a 20 de março de 1922; m. em Moçambique a 30 de junho de 1959).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Na tarde erramos
Da margem esquerda da vida
Rosie
Vivo na esperança de um gesto
Meu Quase Sexto Sentido
Uma Casa Portuguesa
Passemos Tu e Eu Devagarinho
Duma outra infância, inventada

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2015-06-29

Morte Suave - Tristão da Cunha

Ei-los que vão-se ao mal de onde vieram,
Os males da minh'alma envelhecida:
E a lembrar tantos risos que os trouxeram,
Eu choro docemente esta partida...

Prantos lavam o sangue que verteram,
Na atroz delícia que já vai perdida,
E enche-me de saudades que ainda esperam
A saudade que um monge tem da vida...

No olhar que além dos olhos adormece
Erguem-se mortas, puras como lírios
E formosas e tristes como luas...

E tristemente um véu de nuvens desce
Sobre um casto clarão de exaustos círios,
Que estas virgens que voltam, voltam nuas...


Tristão da Cunha, pseudónimo de José Maria Leitão da Cunha Fº., nascido no Rio de Janeiro em 13 de março de 1878, m. a 29 de junho de 1942).

Ler do mesmo autor no Nothingandall:
Virgem Primitiva
Aniversário
Itervm

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2015-06-28

Uma vez mais ... - Velimir Khlébnikov


Uma vez mais, uma vez mais
Sou pra você
Uma estrela.
Ai do marujo que tomar
O ângulo errado de marear
Por uma estrela:
Ele se despedaçará nas rochas,
Nos bancos sob o mar.
Ai de você, por tomar
O ângulo errado de amar
Comigo: você
Vai se despedaçar nas rochas
E as rochas hão de rir
Por fim
Como você riu
De mim.

(Tradução de Augusto de Campos)

Velimir Khlebnikov, Велими́р Хле́бников, nasceu em 9 Nov, 1885 (October 28, 1885 (O.S.)) m. – 28 June 1922)

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2015-06-25

Soneto - Rodolfo Alves de Faria


A sombra geme aqui. Ruínas este soneto.
A arcaria da frase é um esgarado momo
e, sobre este papel, erguem-se os versos como
velhos muros de pedra ou restos de esqueleto.

A imagem lembra um curvo e triste cinamomo,
onde a hera da dor se enrosca ao tronco preto
e passeia, através da quadra e do terceto,
a saudade que reza, em religioso assomo.

Senta-se a mágoa sobre os escombros dispersos
do hemistíquio onde bate o coração dos versos
e em derredor rasteja o verme dos gemidos;

e como um braço, amor, que no outro braço arrima,
cai, em música estranha, a rima sobre a rima,
num sonoro rumor de mármores partidos.

Rodolfo Alves de Faria (n. Maceió, Alagoas, 23 de março de 1971 - f. Maceió, Alagoas, 25 de junho de 1899)

Poema extraído de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

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2015-06-24

As virtudes dialogais - Pedro Oom

Dentro
de mim
há uma planta
que cresce
alegremente
que diz
bom dia
quando nos amamos
ao entardecer
e boa noite
quando florimos
à alvorada
uma árvore
que não está com o tempo
este tempo
a que chamamos
nosso.


in Actuação escrita (Lisboa: & etc, 1980)

Pedro dos Santos Oom do Vale (nasceu em Santarém, 24 de junho de 1926 – faleceu em Lisboa, 26 de abril de 1974)

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