ode ao pecado original - Mel de Carvalho
se as leis não comportam o meu querer
e, à vista derribada de teus olhos, a preito e a preceito,
se incendeiam em mim, restolhos, papoilas e sargaços
se, faminta me faço e d'ébria sinopse me embriago
e desfaleço
em agonia maior,
se o dia passa e já se esvai,
se a noite cai e te não traz ao fascínio de meu colo,
se percorro caminhos controversos d'interditos traçados,
e sempre me detenho na forma imperfeita, incompleta,
do desenho de teus passos decalcados na areia,
se, o sangue que me circula em golfadas nas veias
contém do teu a matriz primeira e nos achámos cinjos, enlaços,
em pactos vampirinos de sal e luas cheias
se, em heresia me tomas, me suavizas o rosto,
me banhas a pele da boca em saliva quente
me sugas o pescoço, me dobras p'la cinta,
me chamas menina e me fazes princesa
então
que se esgotem mares, marinas e marés de leveduras e espuma
que se afundem dunas em milhafres de sapais
que se fundam infinitos luzeiros d'asteróides e sóis
que se apaguem da orla da praia archotes ou faróis
para que
meu barco perdido na bruma, sem norte,
ao negrume do tacto aporte na vereda do teu corpo
e que
a coberto da noite
se faça de nós, em acto consumado,
a liturgia satânica de original pecado.
MEL DE CARVALHO (Maria Amélia de Carvalho) nasceu em Lisboa, a 23 de janeiro de 1961
Poema extraído do blog da autora aqui
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