Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra e, sob este tecto, encontrarás carinho;
eu nunca fui amado e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre e nunca foste amada…
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada…
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos, até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nómada formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
há-de ficar comigo uma saudade tua...
hás-de levar contigo uma saudade minha...
Alceu de Freitas Wamosy naceu em Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS) a 14 de Fevereiro de 1895 e faleceu em Livramento (RS) a 13 de Setembro de 1923. Afilhado por procuração de Guerra Junqueiro, foi o padrinho quem lhe escolheu o nome de um poeta grego. Dedicou-se à boémia, ao jornalismo e à política. Durante a revolução de 1923, foi gravemente baleado e, acolhido no hospital de sangue, veio a morrer poucos dias depois, assistido pela mãe e pela noiva, com quem casou «in extremis». Foi um dos últimos simbolistas e a sua poesia, melancólica, outonal e crepuscular, de grande poder sugestivo e de muita musicalidade, que trai a influência de Verlaine, Verhaeren, Rodenbach, Samain, Laforgue, Régnier e até de Chopin ou Debussy, contrasta vivamente com a personalidade revolucionária do autor, caído no campo de batalha.
Soneto e nota biobibliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.
Ler do mesmo autor, neste blog:
NoturnoÁria AntigaMelancoliaEterna Tarde
0 comments:
Enviar um comentário