Inverno - Bulhão Pato
Rondou o vento ao Sul, e é ríspida a lufada!
Temos, não há que ver, a invernia pegada!
Se nos fins do Verão caíram as branduras,
Nem meia enxada d’água entrou nas terras duras.
Aqui há chão barroso, e chão tão apertado,
Que, sem água a fartar, não vai nem a machado!
Em baixo, ao rés da Costa, às folhas salgadias,
Qualquer chuva lhes basta, — e mau, se as ventanias
Começam de puxar, que as vagas altaneiras
Alagam, no junção, vinhas e sementeiras!
Nas cepas, isso então — e mais depois das cavas —
É praga que lhes dá, o sal das ondas bravas!
Bem raro o lavrador tem dias sem cuidados;
No monte o tempo é um, outro nos descampados.
Só lhe leva a melhor, no rude labutar,
O marinheiro audaz, nas solidões do mar!
Mas no campo, contudo, há dias prazenteiros:
Agora o céu nublado, e os fortes aguaceiros,
São para o agricultor como manhã de rosas!
Venham chuvas ainda, e venham mais copiosas.
Por todo esse Alentejo, aos novos chaparrais,
Águas a desabar, são rara vez de mais!
Pode a cheia inundar os prados da lezíra;
Índa que venha a flux, por enquanto, não tira;
Com que respeite o gado, e deixe bom nateiro,
Não é nunca fatal antes de entrar Janeiro!
Cogitando em tudo isto, o lavrador, agora,
Alegre esfrega as mãos — e caia chuva, embora!
Porém o cavador, que vive só da enxada,
Como se há de amanhar, faltando-lhe a soldada?
Na casa do ganhão é que a invernia é séria!…
Uns dias sem trabalho… e basta! Entra a miséria!
Na cidade, no campo, enfim, seja onde for,
Para os pobres, a vida é quase sempre a dor!
Vamos a espairecer! Saltou o vento ao norte;
É lâmina da serra, e do mais fino corte!
Lá vem abrindo o sol! Toda a amplidão domina!
Só do vale o saúda o incenso da neblina!
Que animação no campo! A rápida caudal
Serpeia, pela encosta, em cobras de cristal!
No mimoso da várzea, e nas viçosas faldas,
Abrem floritas d’ouro, em chão que é d’esmeraldas!
Os cavalos beirões, de guizos chocalheiros,
Vêm de Sesimbra à venda; atrás os recoveiros.
Tiram o arado os bois. Nos altos e chapadas,
Desbravando o torrão, fuzilam as enxadas!
O passaredo alegre a revoar em bando;
Ao rés da choupanita as crianças brincando;
A mãe, sempre a lidar, ao sol corando as roupas,
Batidas ao sopé das desfolhadas choupas!
O carro gémeos chega dos estevais,
Carregado de tojo e ramas de pinhais.
As vacas no relvão, cabrinhas pelas fragas,
E toda azul ferrete, ao longe, a flor das vagas!
No escuro d’esta lua, a caça entra de certo.
Já saltou galinhola! O mato fica perto.
Deixai que alteie o sol, senão, com a geada,
Vão-se as ventas dos cães, e não fazemos nada!
Anos, e labutar, e lagrimas!… embora!
Auras da juventude, aspiro-vos agora!
Parece que, rompendo o sol na imensidade,
Rompe dentro de mim o sol da mocidade!
*
Na jardia e no souto, a entrada não foi grande ;
Nem um pombo trocaz a procurar a glande 1
Porém não falta ensejo, — até á Conceição,
Para entrada real é prospera a sazão!
Agora palestrar, em volta da lareira.
Ao grato crepitar dos toros da azinheira!
Aperta, lá por fora, o límpido nordeste ;
Caça de arribação gosta de tempo agreste.
Com sessenta e mais quatro, e quatro bem contados
Inda rompo com alma os matagais fechados
Quero que venham ver amanhã, praguentos,
Como bate o montado, a minha Tullia, a ventos.
in Poemas do Monte
Raimundo António de Bulhão Pato (Bilbau, 3 de março de 1828 — Monte da Caparica, 24 de agosto de 1912)
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