A Quinteira da Panasqueira - António Maria Eusébio
Mote
Fui apalpar as gamboas
Que a quinteira tem na quinta,
Já tem marmelos maduros,
O seu bastardo já pinta.
Glosa
Sou mestre na agricultura,
meu saber ninguém disputa,
gosto de apalpar a fruta
quando está quase madura…
Gosto do que tem doçura;
Quero e gosto das mais pessoas:
para apalpar coisas boas
da quinta da Panasqueira,
com licença da quinteira,
fui apalpar as gamboas.
Por toda a parte que andei
dei cambalhotas e saltos,
depois de apalpar pêlos altos
pelos baixos apalpei.
Por toda a parte encontrei
fruta branca e fruta tinta;
para que a dona não se sinta
nunca direi mal da boda,
apalpei a fruta toda
que a quinteira tem na quinta.
Neste tão lindo arvoredo
não há fruta como a sua,
foi criada em boa lua
para amadurecer mais cedo.
Menina, não tenha medo
que os seus frutos estão seguros,
ou sejam moles ou duros
todos a têm em estima,
na sua quinta de cima
já tem marmelos maduros.
Tem uma árvore escondida
Num regato ao pé dum poço,
que dá fruta sem caroço
chamada gostos da vida.
Dessa fruta pretendida
que a menina tem na quinta,
se acaso tem uva tinta
a menina dê-me um cacho,
que na sua quinta de baixo
o seu bastardo já pinta.
A resposta da quinteira
Mote
Fui apalpar os tomates
que tinha o meu hortelão,
mostrou-me o nabal que tinha,
meteu-me o nabo na mão.
Glosa
Sou mestra na agricultura,
tenho terra para cavar,
gosto sempre de apalpar
se a enxada é mole ou dura.
Ser amiga da verdura
não são nenhuns disparates;
enchi alguns açafates
de tomateiros de cama,
depois de apalpar a rama
fui apalpar os tomates.
As sementes tomateiras
nascem por dentro e por fora,
semeiam-se a toda a hora
dentro de fundas regueiras.
Tão brilhantes sementeiras
dão gosto e satisfação.
Dentro do meu regueirão
dão-me as ramas pelos joelhos;
que tomates tão vermelhos
que tinha o meu hortelão!
Só de vê-los e apalpá-los
faz andar a gente louca,
faz crescer água na boca
e a língua dar estalos.
Meu hortelão tem regalos,
tem hortaliça fresquinha;
no vale da carapinha
tem um tomateiro macho,
abriu-me a porta de baixo
mostrou-me o nabal que tinha.
Tinha grelos e nabiças,
tinha tomates graúdos,
tinha nabos ramalhudos
com as cabeças roliças.
Tão brilhantes hortaliças
meteram-me a tentação;
era franco o hortelão,
deu-me uma couve amarela
para me dar gosto à panela,
meteu-me o nabo na mão.
(Versos brejeiros e satíricos,
cantigas para guitarra).
in Antologia de Poesia Erótica e Satírica Portuguesa - Selecção, prefácio e notas de Natália Correia. Antígona. frenesi
António Maria Eusébio, o “Calafate” ou o “Cantador de Setúbal”, (Setúbal, 15 de dezembro de 1819 — Setúbal, 22 de novembro de 1911)
Ler ainda do mesmo autor: Nunca fui mal procedido
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