O Outono - Soares de Passos
Eis já o lívido Outono
Pesa o manto nas florestas;
Cessaram as brandas festas
De natureza louçã.
Tudo aguarda o frio Inverno;
Já não há cantos suaves
Do montanhês e das aves,
Saudando a luz da manhã.
Tudo ê triste! Os verdes montes
Vão perdendo os seus matizes,
As veigas e os dom felizes,
Tesouro dos seus casais;
Dos crestados arvoredos
A folha seca e mirrada,
Cai ao sopro da rajada,
Que anuncia os vendavais.
Tudo é triste! e o seio triste
Comprime-se a este aspecto;
Não sei que pesar secreto
Nos enluta o coração.
É que nos lembra o passado
Cheio de viço e frescura,
E o presente sem verdura
Como a folhagem do chão.
Lembra-nos cada esperança
Pelo tempo emurchecida,
Mil áureos sonhos da vida
Desfeitos, murchos também;
Lembram-nos crenças fagueiras
Da inocência doutra idade,
Mortas à luz da verdade,
Criadas por nossa mãe.
Lembram-nos doces tesouros
Que tivemos, e não temos;
Os amigos que perdemos,
A alegria que passou;
Lembram-nos dias da infância,
Lembram-nos ternos amores,
Lembram-nos todas as flores
Que o tempo à vida arrancou.
E depois assoma o inverno.
Que lembra o gelo da morte,
Das amarguras da sorte
Última gota fatal…
É por isso que estes dias
Da natureza cadente,
Brilham n’alma tristemente
Como um círio funeral.
Mas ânimo! após a quadra
De nuvens e de tristeza,
Despe o luto a natureza,
Revive cheia de luz:
Após o inverno sombrio
Vem a flórea primavera,
Que novos encantos gera,
Nova alegria produz.
Os arvoredos despidos
Se revestem de folhagem;
Ao sopro da branda aragem
Rebenta no campo a flor:
Tudo ao vê-la se engrinalda,
Tudo se cobre de relva,
E as avezinhas na selva
Lhe cantam hinos d’amor.
Ânimo pois! como à terra,
Também à nua existência
Vem, após a decadência,
Às vezes tempo feliz;
E a vida gelada, estéril,
Que o sopro da morte abala,
Desperta cheia de gala,
Cheia de novo matiz.
Ânimo pois! e se acaso
Nosso destino inclemente,
Em vez de jardim florente,
Nos aponta o mausoléu;
Se a primavera do mundo
Já morreu, já não se alcança,
Tenhamos inda esperança
Na primavera do Céu!
António Augusto Soares de Passos (Porto, 27 de novembro de 1826 – Porto, 8 de fevereiro de 1860)
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