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2014-10-23

RECADO - Nuno Miranda (no 90º aniversário do poeta caboverdeano)

Quando aportares
Dá-lhes notícias de mim nesta cidade.

Diz-lhes da voz surda estremecendo
E leve e tonta no meu peito
Como se nada fora ao vento que se escapa
A este céu onde viceja um cravo
A flor do meu destino.

Diz-lhes que me vou às vezes da noite roxa
Pelos subúrbios de tons bem calmos
Na ronda de lembranças já mortiças
Mas, velhas cicatrizes não saradas,
Ai de mim
Que não encontro as ruinhas serpeando
Pela minha intimidade
O limo nos beirais das ruas do porto
O sonho do mar alto em cada olhar ficado
Não vejo a casa velha
E o terreiro alto onde ancoravam
Os nocturnos das viagens de arrabalde.

Que é dos traquetes tombados e dos botes carcomidos?..

Só a lembrança de outrora
Na flor deste destino.

Se te falarem de mim quando aportares
Diz-lhes que vai ao longe
Na cidade a estibordo
A nave desta carne macerada
E a asa da minha alma em céu aberta…

Nuno Alvares Miranda nasceu a 23 de outubro de 1924, no Mindelo, S. Vicente, em Cabo Verde

in "40 Poemas Escolhidos” (Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1974)


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