Lacrimário - Antonio Tavernard
Quando eu era criança...
(Parece incrível que eu já tenha sido
criança como parece incrível a tormenta
que já fora bonança).
Quando eu era criança,
e tinha febre leve ou violenta,
e o doutor vinha, grave majestoso,
mamãe dizia: – “Se o filhinho,
tomar o seu remédio direitinho,
papai comprar-lhe-á um brinquedo mimoso
e mamãe há de dar-lhe um beijinho gostoso!”
Mamãe dizia...
E os líquidos amargos, forçando o meu desejo
eu depressa bebia...
Por causa do brinquedo, e pelo beijo...
Também parece um sonho, um sonho lindo,
que pai e mãe eu haja possuído...
Pena é que o sonho tenha terminado,
e que agora eu passe as noites acordado
escrevendo e tossindo!
Estou muito doente. Os médicos vieram
Sacudiram a cabeça, receitaram,
E se foram depois... e não voltaram...
Mas bebi tudo que me deram,
E, se é demais a dor que às vezes vem
O peito me rasgar, choro baixinho...
Não vá meu choro incomodar alguém!
A dar-me água quando estou com sede,
Mamãe já não está
Junto de mim, a balançar-me a rede
Pra lá, pra cá...
Abençôo, contudo, este abandono,
Esta vida infeliz de cão sem dono,
Porque, se aqui estivesse,
Mamãe de dor se tornaria louca,
Se ao menos percebesse
O lenço rubro, com que enxugo a boca
Que todos temem, que ninguém mais quer
e que ela seria
a única mulher
que para ungir, para suavizar,
talvez tivesse – sim teria! –
coragem de beijar...
(E o poeta morreu. Morreu sozinho,
rosa sem haste, pássaro sem ninho.
E, morto, ele sorria, como, quando,
Ia, criança, as pálpebras cerrando
No colo maternal).
in Diário de um Tísico
Antônio de Nazaré Frazão Tavernard nasceu na Vila São João de Pinheiro, atual Icoaraci, em Belém, Pará, a 10 de outubro de 1908 — m. Belém a 26 de maio de 1936
Do mesmo autor:
Sonhos de Sol
Duplicidade
Última Carta
Pórtico
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