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2014-09-02

Retrato da Minha Cidade - Carlos Maul

Minha cidade verde, aberta às claridades
Que o céu derrama em turbilhão de estrelas,
Não me espicaçam pontas de saudades,
Nem existem motivos para tê-las..

É que eu te sinto em mim, tal como outrora
Ainda te vejo em teus primeiros dias,
Como a cantar numa perpétua aurora
De nossa infância as lindas melodias.

Ouço os passos da marcha dos pioneiros
Nas picadas da serra
Batem machados, tombam robles altaneiros,
E na queda um rumor se levanta
Como um grito de dor escapo da garganta
Da terra.

Ouço os passos da marcha dos pioneiros...
Lá vão eles, vão subindo, vão subindo,
Vão sofrendo, vão cantando, vão sorrindo,
Heróis sem nome, mas heróis porque os primeiros...
Quanto tempo durou a caminhada...
Chuva e sol, calmaria e tempestade,
Nada os deteve nessa ríspida escalada
Para a conquista da felicidade...

Dias rudes de sombra, os músculos retezos
No manejo da enxada e dos terçados,
Viveram eles ao trabalho escravizados,
mas alegres, à luz de um sonho presos.

Ouço os passos da marcha dos pioneiros...

Apenas a esperança os acompanha
Nessa dura ascensão. E como são ligeiros!...
E assim nasceu das mãos desses pioneiros
Minha linda cidade da montanha...
Escuto-lhes a voz nas marcha da subida...
Parece um canto-chão
De homens que vêm da morte para a vida
Cheios de fé no coração.

Oh! Minha cidade verde,
Não me emocionam as chaminés das tuas fábricas,
Nem a trepidação das tuas máquinas,
Nem os palácios que se escondem nos teus bosques
Envergonhados da própria opulência.
A civilização mudou tua fisionomia,
Deu-te outras formas, transformou-te as linhas,
Mas na minha fantasia
Continuas a ser a aldeia pequenina,

Fresca juvenil e perfumada,
Com ares de menina
Na verdura a correr de madrugada
Como ninfa nascida da neblina.

És mais formosa assim, e em tuas águas espelhas
Os perfis dos teus montes,
A sombra das tuas pontes,
Das tuas pontes vermelhas...
Vem-me às narinas o teu cheiro agreste,
E eu te vejo melhor nos teus traços antigos:
Uma candura, uma expressão celeste
Na carícia das mãos, nos afagos amigos...

E o mesmo luar com que iluminavas as estradas
Nas noites frias das tuas doces primaveras,
Sinto-o agora, talvez mais claro e mais risonho
Do que nos dias das fulgentes alvoradas
Em que eras
A verdadeira fonte do meu sonho...

Encantada visão do alto da serra
Em cujos fogos minha alma se incendeia,
És a mesma feiticeira
Que vinha, sorrateira,
Para apagar a luz dos lampeões da terra
Se no céu se acendia a lua cheia.

Ouço o canto orfeônico dos órgãos das tuas igrejas
Onde aprendi a crer...
Minha terra cristã dos meus primeiros anos,
Quero que nesses templos me revejas
Com teus bondosos frades franciscanos
Que me ensinaram a ler...

Ressurges das tuas brumas a meu lado,
Na macia brancura de inocente,
Ressoa em mim a voz desse passado,
Que de tão vivo está em mim presente.
Com ternura penetro-te os refolhos,
De tuas claridades me ilumino,
E suponho que em dias de menino
Roubei do céu o azul para os meus olhos.

De mil belezas te douras
Nesse esplêndido fulgor
Do teu eterno arrebol.
E em teu regaço entesouras,
- Cidade do meu amor –
Crianças fortes e louras,
De cabecinhas de sol...


Carlos Maul nasceu em 2 de setembro de 1887, em Petrópolis e faleceu em 13 de março de 1973

Da mesma autoria: A Montanha de Cristo


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