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2013-11-03

O que me coube - Ivan Junqueira

Pois foi só o que me coube:
o que eu quis e nunca houve.
o sonho que se fez logro,
como o daquele, o do Horto,
que na cruz pendeu exposto.

Foi só isto. E mais o açoite
que me vergasta o do aço do osso,
o vinagre, o fel na boca.
o céu ao reverso, torto,
e Deus, déspota, deposto.

Foi o sabor que me soube:
o da maçã, que era insossa,
o do vinho (azedo) no odre
e o do pão, estrito joio
sem trigo nenhum no miolo.


Foi só isto o que me trouxe
a vida (essa morte em dobro
a quem faço ouvidos moucos),
além de uns parcos amores,
de um Pégaso avesso ao vôo,
de uma flébil flauta doce,
do corvo a chorar Lenora
e de Apolo aquele torso
a transmutar-se num outro.
Foi só. Mais nada. Acabou-se.


Ivan Junqueira (Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1934)


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