Centenário do nascimento do poeta e artista plástico Saul Dias
O Poeta no Café de Província
I 
O poeta dormita ao fundo do café, 
um pobre café de província. 
Envelhecido, 
os cabelos grisalhos 
pendem-lhe sobre os olhos 
que se fecham 
a essa hora adiantada da noite. 
No entanto, 
os seus olhos 
descortinam, lá longe, 
uma paisagem 
tão diferente daquilo que o rodeia!... 
É abril! 
Pequeninos ramos, 
viçosos, 
espreitam pelos muros. 
Corre um ventinho ligeiro, 
alvoroçando as ervas dos caminhos. 
E os pássaros, 
os eternos cantores 
dos jardins, das florestas, 
ensaiam 
complicados motivos... 
Corre um ventinho ligeiro, 
bem diferente do vento dessa noite, 
a hora em que o criado 
corre os taipais do café, 
olhando de soslaio o freguês retardatário, sonolento... 
II 
Um fogacho, um lampejo 
vale a pena provocá-los? 
vale a pena estender os lábios para um beijo 
inútil, que não gera? 
Vale a pena estar à espera 
não se sabe de quê, 
sentindo frio, frio? ... 
A mesa do café 
o poeta escreve versos, 
versos desmesuradamente compridos, 
desmesuradamente sentidos, 
estilísticamente certos ou incertos, 
com rima ou sem rima (tanto faz ...) 
— Eh, rapaz! 
Um cálice de absinto 
para imitar Verlaine e os poetas malditos. 
(Mas cautelosamente... 
Aqui não se toleram mitos! 
Há ladrões! Fechem as casas!) 
E a monotonia a armar o andaime... 
— Vá, asas, 
élitros 
de insetos, pássaros ou anjos, 
esvoaçai, 
palpitai, 
acordai-me! 
Júlio Maria dos Reis Pereira, nascido a 1 de novembro de 1902, em Vila do Conde, e falecido a 17 de janeiro de 1983,
















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