Balada do Cárcere de Reading (excerto) II - Oscar Wilde
Seis semanas inteiras ele andou
com a veste usada que trazia.
Tinha um gorro de listas, e o seu passo
ligeiro e alegre parecia;
porém eu nunca vi homem que olhasse,
tão pensativo, a luz do dia.
Jamais, jamais vi homem contemplar,
com tão profundo sentimento,
essa breve, essa estreita faixa azul
que os presos chamam firmamento;
e as nuvens esgarçadas no horizonte,
- flocos de espuma errando ao vento!
Não retorcia as mãos, - tal como alguns
de ideia curta, e alma louçã,
que ousam crer, mesmo em negro Desespero,
numa Quimera estulta e vã:
ele fitava, calmo, a luz da aurora
sorvendo o ar puro da manhã.
Não retorcia as mãos e não chorava,
nem lamentava o seu inferno;
ia, apenas, bebendo o ar como um bálsamo,
bálsamo bom, bálsamo eterno...
Abria os lábios e bebia o Sol
como uma taça de falerno.
E eu, e todos os mais, - nós que penávamos
num outro pátio separado,
esquecemos de pronto as nossas faltas,
a nossa Sorte, o nosso Fado,
para seguir, com olhar de assombro, esse homem
que ia, entre nós, ser enforcado!
E era estranho que o víssemos andando,
- tão leve e alegre parecia...
E era estranho que o víssemos fitando,
tão pensativo, a luz do dia.
E era estranho lembrar que ele, a sua dívida,
de tal maneira a pagaria.
Tem lindas folhas o álamo e o carvalho,
que em maio brotam viridentes:
mas é medonha a forca, - árvore negra,
raiz mordida de serpentes:
e verde ou seca, morre o condenado
sem lhe avistar frutos pendentes.
É para o céu, para o azulado empíreo,
que o anseio humano se alevanta!
Mas quem, do alto da forca, atado a um laço,
com a corda presa na garganta,
ergue seu turvo olhar ao firmamento
quando o carrasco se adianta?
Dançar, ao som de um violino, enleva,
se a Vida é bela e é belo o Amor;
dançar, ao som de flautas e alaúdes,
é raro, fino, embalador...
Mas é horrível, no ar, com os pés ligeiros,
dançar, num último estertor!
Curiosamente, mudos, consternados,
o vigiávamos dia a dia,
pensando que talvez nosso destino
igual ao dele acabaria:
pois ninguém sabe a que horroroso inferno
a Sorte bárbara nos guia.
Por fim, deixei de vê-lo entre os mais presos,
sempre sozinho, vagamundo...
Soube então que o levaram; que jazia
em negro cárcere profundo,
e que eu, jamais, de novo o enxergaria,
neste belo, divino mundo...
Dois navios perdidos que se cruzam
em ruim paragem tormentosa,
- nós nos cruzamos, mudos, sem um gesto,
numa atitude silenciosa:
pois de dia nos vimos (não de noite)
e a luz é casta, é vergonhosa.
Muros de uma prisão nos circundavam,
éramos réus por nossos danos.
Deus e o seu mundo, inexoravelmente,
nos repeliram desumanos;
e a sinistra armadilha do Pecado
nos seduziu com seus enganos.
Trad. de Gondin da Fonseca
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro
Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (Dublin, Irlanda 16 Out. 1854 – Paris, França, 30 November 1900)
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