CIRCE - Eugénio de Castro
Minh'alma, onde se miravam rosas,
É hoje, Lídia do meu coração,
Um altar de primeira comunhão
Enfeitado com plantas venenosas.
Meus desejos, noviças cor de lua,
Passeando andavam entre esbeltos lírios,
Quando apareceste serpentina e nua,
Derramadora de letais delírios.
Viram-te os puros como a aurora,
E, deslumbrados pelo sol do teu cabelo,
Foram atrás de ti, cisnes de prata e gelo,
Atrás da guardadora.
Tu lhes disseste coisas de endoidar
Ascetas e abadessas...
Como em taças de ouro, nas suas cabeças,
Simbólicos jasmins fanaram-se a chorar.
Nos braços das luxúrias condenadas
Foram deitar-se os meus amores,
Como róseas Princesas invioladas
Oferecendo-se aos salteadores.
Minha inocência chora sangue sob os teus beijos,
Como fria cabeça espetada num poste...
Lídia! qual Circe foste:
- Em porcos transformaste os meus puros desejos!
Eugénio de Castro (n. em Coimbra a 4 Março de 1869; m. em Coimbra, a 17 de Agosto de 1944)
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