CASTELOS N0 AR - Guerra-Duval
FICHTE
Sonhos, noites, lagos noturnos e luares;
olhos, olhares...
Quando o luar dos teus olhos aos meus olhos desce
a minh'alma empalidece;
todo eu fico a tremer,
e tu passas sem me ver,
no teu lento passo acompassado...
Ao ver-te passar, eu sinto que me crescem asas,
e leve de culpa e de pecado
ponho-me a voar, a voar,
numa volúpia nova, pelo azul dos ares,
— pelo Reino dos Luares, —
acima das misérias e das casas
té encontrar pelo caminho
um dos meus Castelos no Ar...
Lá, se tu quisesses, pela primavera,
íamos fazer o nosso ninho.
(Minha Sombra Azul, cor de Quimera,
quando o luar dos teus olhos os meus olhos banha,
na noite da minh'alma entra uma luz estranha.)
0 meu alcácer é um fantástico tesoiro,
um palácio astral mitrado dum zimbório d'oiro:
no parque, alabastros de ninfas e mármores de musas,
no jardim, as rosas brancas são pálidas reclusas,
e as sanguíneas papoilas
um bando saudável de rústicas moçoilas;
dentro, numa sala imensa,
em quadros murais da Renascença,
vivem sonetos do Aretino
e a legenda sutil de Leda e do Cisne divino.
Quando o olhar dos teus olhos me veste de luar
dentro da minh'alma ha um Cisne a cantar.)
Nessa câmera d'arte erótica e pagã,
por uma plúmea e nupcial manhã,
o meu amor espera-te. E com que desejo,
com que sede te espera!
No primeiro longo, longo beijo
bebe-te o hálito floral de primavera,
e é como se bebesse logo.
(Quando o luar dos teus olhos os meus olhos toca,
a minh'alma beija-te na boca.)
Nos meus olhos crepitam labaredas;
todo eu, ardendo, quero amar-te logo;
trêmulos e tímidos os dedos vão rasgando as sedas,
as musselinas lívidas esparsas,
penugem ventral de garças, —
translúcidas e brancas,
fogem pela curva clássica das ancas;
como um estandarte desfraldas o cabelo:
cai a noite sem luar no meu castelo,
e sob o novilúnio da tua cabeleira
é d'âmbar o teu corpo, Trigueira,
sincero e sem pejos,
todo vestido de beijos!...
(Quando o luar dos teus olhos vence todos os luares
no lago da minh'alina abrem os sonhos, como nenúfares.)
Poema extraído daqui
Adalberto Guerra-Duval nasceu em Porto Alegre, em 31 de maio de 1872; m. em Petrópolis, a 15 de janeiro de 1947).
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