Arte do Regresso 17. - Amadeu Baptista
Estou a retroceder para a casa inóspita
e o cão agita-se nas primeiras sombras.
A pedra ruge sobre a minha cabeça
e os elementos são o medo inexorável
de respirar agora com o dia
a treva da tormenta.
A loucura ilumina-se do fogo
com que as casas ardem.
Tudo é oculto e obscuro
como o coração da madrugada
em que o alarme dos sonhos se propaga
à infinita essência do receio.
sobre o pavor abate-se o vento
que fulge nas esquinas destas ruas
em que um homem perdido transfigura
a inatingível luz da tempestade
e perscruta no silêncio esse silêncio
que devora o rosto dos que passam.
O trovão rasga o céu, a morte avança.
A cada nova ameaça volto à infância.
in Cem Poemas Portugueses sobra a Infância, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar
Amadeu Baptista (Porto, 6 de Maio de 1953)
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