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2011-03-17

Meus olhos que por alguém - António Botto, na voz de Mariza + Nem sequer podia...


Meus olhos que por alguém
deram lágrimas sem fim
já não choram por ninguém
- basta que chorem por mim.
Arrependidos e olhando
a vida como ela é,
meus olhos vão conquistando
mais fadiga e menos fé.
Sempre cheios de amargura!
Mas se as coisas são assim,
chorar alguém - que loucura!
- Basta que eu chore por mim.



2

Nem sequer podia
Ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te...

Até que nos encontrámos!

Choviscava, anoitecia.
- uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.

Já não sei o que disseste;
Nem me lembro do que disse...

A chuva continuava.
Atravessámos um jardim.
E à luz fosca
Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: - Pois sim.

A chuva tornou-se densa.
Eu ia todo encharcado.
Por fim, chegámos; entrei...

Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.
Era uma casa vulgar
Aonde o amor
- Oculto a todos os Sóis,
Se dava e prostituía
A troco da real mola.

Arrependi-me. Blasfemei;
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!

E nunca mais te encontrei!


(Ciúme, 1934)
António Tomaz Botto nasceu a 17 de Agosto de 1897, em Casal da Concavada, Abrantes e faleceu no Rio de Janeiro a 17 de Março de 1959)

Ler do mesmo autor, neste blog:


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