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2010-07-07

Introdução (excerto) - Guerra Junqueiro

- Se há estrelas no céu e rosas pelo monte,
Se sabes ler Petrarca e ler Anacreonte,
Se a tua amante é bela e se o teu sangue é novo,
Deixa espingardar o coração do povo,
Deixa morrer Catão, deixa insultar a luz,
Deixa queimar Voltaire, deixa matar Jesus...
Não cessam de cantar por isso as cotovias,
Que o Pontífice lamba os pés das monarquias,
Que Tartufo conspire e D. João seduza,
Que a treva inunde a escola e a honra empenhe a blusa,
Que flamejem do mal as rúbidas crateras,
Que a tirania lance a liberdade às feras,
Que haja ódios, traições, roubos, assassinatos,
Que exerçam a justiça os filhos de Pilatos,
Que rezem cantochão as línguas das espadas,
Que o direito e Bodin caiam nas barricadas,
Que o povo tenha frio e se revolte e chore,
Que o trabalho produza, o capital devore,
E o milhão seja enfim o rei universal –
Que nos importa a nós? que importa o bem e o mal,
As velhas dissensões, a luta, o dogma, a crítica?
Os rouxinóis não têm opinião política.
As flores não sabem ler as obras de Proudhon;
Desejam simplesmente – água, terreno bom
E muitíssima luz. As fontes cristalinas
Não cessam de correr com medo às guilhotinas.
Os astros imortais, os astros cintilantes
Hão-de sempre girar como giravam d’antes;
Brilham da mesma forma em Londres e em Paris;
Não têm religião, nem códigos civis.

(A Morte de D. João, 1874)

in Poemas Portugueses, Antologia da PoesiaPortuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Guerra Junqueiro (n. Freixo de Espada à Cinta 17 de Setembro de 1850 ; m. Lisboa a 7 de Julho de 1923).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Adoração
Regresso ao Lar
A Moleirinha
Canção Perdida
Memória de minha mãe


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