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2010-04-13

Monólogo do Maioral - Azinhal Abelho

Azulejo sobre Nuno Álvares Pereira
na freguesia de Orada, Borba
imagem daqui

Alto lá! Ó Camarada!
Nós somos d'Além do Tejo
E viemos ao cortejo
Assinalar o lugar
Lá das terras do Suão.
Nunca avistamos o Mar.
Nós somos também Nação,
Oito vezes secular,
Oito vezes geração.
Da cabeça, até aos pés,
Olhai-me bem que eu sou terra,
Sou a voz que não engana;
Co'a minha manta e cajado
Guardo o meu trigo e o meu gado,
Sou da terra alentejana.
Quero amostrar-me com brio,
Do que sou e do que valho
Nas galas do meu suor,
Que são o orgulho maior
Das gestas do meu trabalho.
Quem me julgar com apreço
Acerta num bom sinal,
Dizendo que no começo
Fui quem formou Portugal.
'Scutem a voz em surdina
Dita em coral de mistério:
- Eu sou a terra-madrinha
Que deu Portugal-Império, -
Nautas, santos, à ventura,
Porque Deus assim o quis,
Partiram da terra dura
Mas deixaram a raiz.
Por graças e por louvor,
A raiz tornou de novo
A dar galhos e a dar flor
A esta terra e este povo.
- Ainda hoje é terra firme...
- Ainda hoje é povo-chão...
O Alentejo não tem sombra.
- Digo eu, que sou ganhão:
Não tem, não tem nem a quer
Só tem a sombra da terra
E essa porque é mulher.
Nem quis avistar o mar.
Ó Mar! Tu és perdição...
Angústias, vidas sem par,
Por lá ficaram no Mar...
Ó Mar! Tu és um ladrão.
Na vida dos portugueses
Não sei o que representas.
Dizem alguns: és a glória.
Mentira, és mar das tormentas.
Foi um mal de Portugal
Botar os olhos pra além;
Na esperança de se alargar
Fugiu do colo da mãe.
Ficámos nós e cá estamos;
Cá 'stamos nós, os do chão.
Rego a rego, o nosso arado,
Foi transformando um eirado,
De castro fortificado
Numa serra de pão.
Sem pompas, esta epopeia,
Sangue e terra, nua e crua,
Ergueu padrões no alqueive
Cruzando a espada e a charrua.
Maiorais, tristes como eu,
Numa legenda sem fim,
Com enxadas e aivecas
Vão transformando em jardim,
Os arrifes das charnecas.
As nossas vestes sem cor...
As nossas mãos encardidas...
Olhai-as com tanto amor
Como se fossem garridas.
Não temos flores, é verdade...
Só as nossas raparigas
Trouxeram, lá duma herdade,
Em vez de rosas, espigas.
Nem a vista se alevanta,
Nem mesmo o riso pagão;
A nossa gente, se canta,
É em voz de cantochão.
Mas esquecidos no mapa
Sem ninguém saber de nós,
Ergo aqui o meu cajado,
Bato com ele o sobrado
E alevanto a minha voz:
"Nossos lamentos são ais,
Tristezas de mal-querer.
Somos como nossos pais.
... E SEJA O QUE DEUS QUISER".

Poema extraído daqui

Nota do webmaster: significado de Ganhão:
Aquele que vive do seu trabalho.
Aquele que, para viver, lança mão de qualquer trabalho.
* Prov. beir. Criado de lavoira.
* Prov. alent. Trabalhador de lavoira, ceifeiro, mondador, etc.
[Dicionário Candido de Figueiredo, 1913]

Joaquim Azinhal Abelho (nasceu em Orada, Borba, 1911 — faleceu em Lisboa a 20 de Janeiro de 1979)


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