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2010-04-04

Encontro de Lampião com Kung Fu em Juazeiro do Norte - Abraão Batista

Meu leitor, meu amiguinho
Permita a imaginação
Desse encontro imaginário
De Kung Fu com Lampião
Na cidade de Juazeiro
De Padre Cícero Romão...

Pois bem, eu vou dizer
Como foi que aconteceu
Dizendo quem se feriu
Quem matou e quem morreu
Depois diga por aí
Quem contou isso foi eu

Mas se lembre esta história
É livre e imaginária
Vem do direito do poeta
Que tem na indumentária
Do infinito astucioso
Que não tem medo de pária

Lampião, todos conhecem
Mas não sabem interpretar
Só sabem falar mal dele
Porque não quiseram indagar
A causa que ele abraçou
E o que o forçou a matar

Se Lampião foi cangaceiro
Foi que o forçaram a matar
Ele era bom e justiceiro
Antes de o incriminar
Pois a justiça dos homens
Às vezes não sabe julgar

No entanto, o meu assunto
O que agora vou descrever
É de Lampião, o cangaceiro
Com Kung Fu do caratê
E se você não o conhece
Vai agora o conhecer

Eu já falei de Lampião
Que é um herói invisível
Nesse momento de Kung Fu
Que é um chinês invencível
Nas grandes lutas de morte
Sempre foi o imbatível

A China tem o seu herói
Que luta pela justiça
Aprendeu as leis dos monges
Que desprezam a vã cobiça
E desde pequeno, que ele
Teve escola sem malícia

Kung Fu desde pequeno
Ficou sozinho no mundo
E os monges do Himalaia
Não o quiseram um vagabundo
Acolheram-no no mosteiro
Ensinando-o todo segundo

Depois que Kung Fu cresceu
Saiu pelo mundo a fora
Procurando fazer justiça
O que sua cartilha decora
A perseguição e a cobiça
São coisas que mais deplora

Kung Fu fez uma promessa
Para no santo Juazeiro
Visitar padrinho Cícero
Que é santo por primeiro
Veio a pé, veio a cavalo
E de navio, como romeiro

Desembarcou em Fortaleza
Do Ceará, a capital
E o resto desse percurso
Fez a pé, e não fez mal
Porque ele é um atleta
Cuja força é sem igual

Lampião, por esse tempo
O mesmo ato resolveu
Só não sei onde estava
Se no inferno, ou no céu
Eu só sei que no mesmo dia
Por aqui, apareceu

E no túmulo do "meu padrinho"
Os dois valentes se encontraram
Parecendo, no mesmo instante
Ao mesmo tempo, se ajoelharam
Quando nos ares, os seus olhares
Como relâmpagos se entrechocaram

Lampião olhou esquivo
Para Kung Fu, e indagou
Onde moras, ó meu irmão?
E Kung Fu lhe afirmou:
— Sou habitante desse mundo
E com capricho suspirou

Os dois se levantaram
E saíram pela igreja
Mas, por fora no patamar
Tinha um soldado com inveja
E gritou para Lampião:
— Tu não perdeste a peleja

Lampião não quis conversar
Depressa meteu-lhe a faca
Dando um só golpe certeiro
E inteiro, cortou-lhe a maca
Que o soldado caiu rolando
Gritando como macaca

Kung Fu vendo aquilo
Deu um pulo para trás
E Lampião na bruta calma
Sem perder o seu cartaz
Limpou a faca e guardou
No seu gesto costumaz

Kung Fu disse assim:
— Que é isso, Lampião?
És homem ou assassino
Que ignoras o teu irmão!
Mas Lampião respondeu:
— Tudo isso é ilusão

Kung Fu vendo aquilo
Depressa se indignou
Com força pra Lampião
Num tom grave assim falou:
— Procedimento igual a esse
Nesse momento terminou!

Lampião sorriu pra ele
E com um punhal na mão
Despalitou a dentadura
Pra depois cuspir no chão
Respondendo pra Kung Fu:
— És atrevido, tenho impressão

Kung Fu ouvindo isso
Parece que não gostou
Fez um gesto de caratê
Que Lampião lhe apontou
Disparando duma só vez
Seis descargas mas não acertou

Kung Fu tem uma espada
De aço, bem temperado
E livrou-se daquelas balas
De um golpe inesperado
Cortando as balas no meio
Pois quem viu ficou assombrado

Kung Fu de um só pulo
Do fuzil, o cano entortou
Com um golpe dado com a mão
A cem metros do arremessou
E quem quiser vá ao museu
Para ver como ficou

Lampião disse: — Oxente
Quem já se viu coisa assim
Mas Kung Fu de repente
Malhou seu espadachim
E Lampião pulou gritando:
— Hoje tudo está pra mim

Com uma espada grande
Kung Fu nele malhou
Lampião com uma peixeira
Seus planos atrapalhou
Mas Kung Fu com sua espada
A peixeira dele cortou

Lampião: — Virgem Maria
Que espada desgraçada!
E do meio da cintura
Puxou a faca lombada
E partindo desse momento
Teve a briga recomeçada

Quando a espada de Kung Fu
Batia na faca de Lampião
Com quarenta léguas se via
Aquele enorme clarão
Que o povo de Pernambuco
Pensou que era ilusão

Kung Fu roçava a espada
Lampião se defendia
Com uma faca lombada
Cortando de travessia
E os golpes daquelas armas
De longe a gente ouvia

Se Lampião saltava alto
Kung Fu também saltava
Naquela briga feroz
O fogo azul que faiscava
Tinha um brilho tão grande
Que o dia ofuscava

Kung Fu deu um pulo alto
Para confundir Lampião
Mas ele fez um rodízio
Rodando que nem pião
Que Kung Fu quando baixou
Quase que perdia a mão

Para se livrar um do outro
Pulavam mais do que bode
Corriam mais do que ema
Que a areia com os pés sacode
Mas aquilo para eles dois
Era gostoso como um pagode

Nessa luta eles passaram
Sem dormir sem descansar
Sete noites e sete dias
É o que posso lhe contar
Suavam como chaleiras
Mas não queriam se entregar

Um olhava para o outro
Reconhecendo do seu valor
Mas a vontade de brigar
Ardia com mais calor
E a luta recomeçava
Com outro novo sabor

Duma faísca da espada
Com aquele grande punhal
Provocou enorme incêndio
Em cem tarefas de canavial
Chamando logo a atenção
De Kung Fu e seu rival

Lampião disse assim:
Kung Fu, você está vendo
Esse fogo no vegetal
Que por nós está ardendo
É algo que a natureza
Para nós está dizendo

Kung Fu disse: — Falou!
A guerra não tem sentido
O homem brigar com o homem
Me causa dor no ouvido
As conquistas e os massacres
São atos de tempo ido

Neste momento Kung Fu
E Lampião se abraçaram
Dando fim a um duelo
Que sem morrer terminaram
E eu peço aos meus leitores
Mil desculpas se não gostaram

Juazeiro do Norte, julho de 1975

Extraído daqui

Abraão Batista (n. nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará, em 4 de Abril de 1935).

Ler do mesmo autor Anatomia do Frevo


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