O Ar de Um Dia - Giórgos Seféris
O ar de um dia há dez anos vivido em terra estranha, De um momento remoto que adeja e vai-se, anjo de Deus; Voz de mulher por cautela esquecida, a duras penas; Desolação do fim, crepúsculo de pedra num setembro. Casas novas, clínicas poeirentas, janelas leprosas, lojas funerárias... Quem sabe o que sofre um farmacêutico sensível no plantão da noite? O quarto em desordem: gavetas, janelas, portas bocejam, feras más. Um homem fatigado deita as cartas, mede os astros, perquire-se, procura, Inquieta-se. Batem à porta: ah, quem vai abri-la? Aberto o livro, quem lê? Aberta a alma, quem vê? Onde o amor que desconcerte o uno tempo e o corte em dois? Palavras só, e gestos, mudo monólogo ao espelho, sob a ruga. Gota de tinta num lenço, o tédio espalha-se. Morreram todos a bordo, mas o barco persegue a idéia que o segue desde o porto As unhas do capitão, como cresceram... e o armador barbudo que tinha três amantes em cada escala... O mar incha sem pressa, as velas pavoneiam-se e o dia já se abranda. Três golfinhos negrejam, cintilantes; a sereia sorri; um marinheiro esquecido acena lá da gávea. Trad. José Paulo Paes in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim Giórgos Seféris (Γιώργος Σεφέρης) (naceu em Esmirna, a 13 de Março (29 de Fevereiro, no calendário juliano) de 1900 — m. Atenas, 20 de Setembro de 1971)
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