Génesis de Políbio Gomes dos Santos, falecido faz hoje 70 anos
O mundo existe desde que eu fui nado.
Tudo o mais é um... era uma vez
- A história que se contou.
No princípio criou-se o leite que mamei
E eu vi que era bom e chorei
Quando a fonte materna secou.
A terra era sem forma
E vazia;
Havia trevas no abismo.
E formou-se o chão
E amassou-se o pão
Que eu comi.
(Era este auela esponja que eu mordia,
Que eu babava,
Que eu sujava,
Que uma gente andrajosa pedia).
E então se fez
a geração remota dos papões:
Nascera a esmola, o medo, a prece
E o rosto que empalidece...
E a rosa criou-se,
Desejada,
E logo o espinho,
A lágrima,
O sangue.
Este era vermelho e doce,
A lágrima doce, brilhante, salgada;
No espinho havia o gosto
Da vingança perfumada.
E eu vi que tudo era bom.
E fizeram-se os luminares
Porque eu tinha olhos,
E o som fez-se de cantares
E de gemidos, Porque eu tinha ouvidos.
Nasceram as águas
E os peixes das águas
E alguns seres viventes da terra
E as aves dos céus.
O homem que então era vagamente feito,
Dominou o homem, comprimiu-lhe o peito,
E fizeram-se as mágoas
E o adeus.
E eu vi que tudo era bom.
A mulher só mais tarde se fez:
Foi duma vez
Em que eu e ela nos somámos
e ficámos três.
Nisto e no mais se gastaram
Sete longuíssimos dias.
O mundo era feito
E embora por tudo e por nada imperfeito,
Eu vi que era bom.
Acaba o mundo
Quando eu morrer.
Sim... será o fim!:
Também tu deixas de existir,
No mesmo dia.
E o resto que se seguir
É profecia.
Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 7 de Agosto de 1911 — Ansião, 3 de Agosto de 1939)
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