Vida Obscura - Cruz e Sousa
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes,
tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto,
que o coração te apunhalou no mundo,
mas eu, que sempre te segui os passos,
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!
João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, hoje Florianópolis (SC), a 24 de Novembro de 1861 e faleceu na Estação de Sítio (MG) a 19 de Março de 1898. Filho de escravos alforriados, foi educado pelos antigos senhores de seus pais. Completou o curso secundário, mas viu-se travado em suas aspirações de ascensão social, encarnando o drama do homem de cor numa sociedade eivada de preconceitos. Não teve, assim, profissão certa. Percorreu o Brasil como ponto e secretário de uma companhia teatral, até que fixou residência no Rio, em 1890. Aí viveu, cheio de privações, quase na miséria, fazendo biscates e dedicando-se ao jornalismo. Casou, em 1893, com uma poetisa negra e conseguiu o modesto cargo de arquivista da Estrada de Ferro Central. Entretanto, três dos seus filhos tuberculizaram e a esposa enlouqueceu. Ele próprio, também atingido pela tuberculose, veio a morrer em Minas Gerais, aonde fora em busca de alívio para o seu precário estado de saúde. O cadáver veio para o Rio de Janeiro num vagão destinado ao transporte de gado. Pária social, o maior poeta simbolista brasileiro só conheceu sofrimento, angústia, revolta e desespero. Viveu «emparedado», mas a sua poesia metafísica, visão interiorizada do mundo exterior, transcende a literatura brasileira para atingir o plano da poesia universal.
Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).
ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes,
tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto,
que o coração te apunhalou no mundo,
mas eu, que sempre te segui os passos,
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!
João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, hoje Florianópolis (SC), a 24 de Novembro de 1861 e faleceu na Estação de Sítio (MG) a 19 de Março de 1898. Filho de escravos alforriados, foi educado pelos antigos senhores de seus pais. Completou o curso secundário, mas viu-se travado em suas aspirações de ascensão social, encarnando o drama do homem de cor numa sociedade eivada de preconceitos. Não teve, assim, profissão certa. Percorreu o Brasil como ponto e secretário de uma companhia teatral, até que fixou residência no Rio, em 1890. Aí viveu, cheio de privações, quase na miséria, fazendo biscates e dedicando-se ao jornalismo. Casou, em 1893, com uma poetisa negra e conseguiu o modesto cargo de arquivista da Estrada de Ferro Central. Entretanto, três dos seus filhos tuberculizaram e a esposa enlouqueceu. Ele próprio, também atingido pela tuberculose, veio a morrer em Minas Gerais, aonde fora em busca de alívio para o seu precário estado de saúde. O cadáver veio para o Rio de Janeiro num vagão destinado ao transporte de gado. Pária social, o maior poeta simbolista brasileiro só conheceu sofrimento, angústia, revolta e desespero. Viveu «emparedado», mas a sua poesia metafísica, visão interiorizada do mundo exterior, transcende a literatura brasileira para atingir o plano da poesia universal.
Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).
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