Sermão de Nª. Senhora do Ó (excerto) - Padre António Vieira
A figura mais perfeita e mais capaz de quantas inventou a natureza e conhece a geometria é o círculo. Circular é o globo da terra, circulares as esferas celestes, circular toda esta máquina do universo, que por isso se chama orbe, e até o mesmo Deus, se sendo espírito pudera ter figura, não havia de ter outra, senão a circular. O certo é que as obras sempre se parecem com seu autor; e fechando Deus todas as suas dentro em um círculo, não seria esta idéia natural, se não fora parecida à sua natureza. — Daqui é que o mais alumiado de todos os teólogos, S. Dionísio Areopagita, não podendo definir exatamente a suma perfeição de Deus, a declarou com a figura do círculo: Velut circulus quidam sempiternus propter bonum, ex bono, in bono et ad bonum certa, et nusquam oberrante glomeratione circummiens. Estes são os dois maiores círculos que até o dia da Encarnação do Verbo se conheceram; mas hoje nos descreve o Evangelho outro círculo, em seu modo maior. O primeiro círculo, que é o mundo, contém dentro em si todas as coisas criadas; o segundo, incriado e infinito, que é Deus, contém dentro em si o mundo; e este terceiro, que hoje nos revela a fé, contém dentro em si ao mesmo Deus. Ecce concipies in utero, et paries Filium: hic erit magnus, et Filius Altissimi vocabitur (2). Nove meses teve dentro em si este círculo a Deus, e quem poderá imaginar que, estando cheio de todo Deus, ainda ali achasse o desejo, capacidade e lugar para formar outro círculo? Assim foi, e este novo círculo, formado pelo desejo, debaixo da figura e nome de O, é o que hoje particularmente celebramos na expectação do parto já concebido: Ecce concipies et paries. De um e outro círculo travados entre si, se comporá o nosso discurso, concordando — que é a maior dificuldade deste dia — o Evangelho com o título da festa, e o título com o Evangelho. O mistério do Evangelho é a conceição do Verbo no ventre virginal de Maria Santíssima; o título da festa é a expectação do parto e desejos da mesma Senhora, debaixo do nome do O. E porque o O é um círculo, e o ventre virginal outro circulo, o que pretendo mostrar em um e outro é que, assim como o círculo do ventre virginal na conceição do Verbo foi um O que compreendeu o imenso, assim o O dos desejos da Senhora na expectação do parto foi outro circulo que compreendeu o eterno. Tudo nos dirão, com a graça do céu, as palavras que tomei por tema. Ave Maria.
Sermaão de Nossa Senhora do Ó (1640) - Padre António Vieira
Padre António Vieira (n. Lisboa a 6 de Fev; m. na Baía-Brasil- a 18 Jul 1697).
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