Pedra filosofal - António Gedeão
Eles não sabem que o sonho 
é uma constante da vida 
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer, 
como esta pedra cinzenta 
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso 
em serenos sobressaltos, 
como estes pinheiros altos 
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam 
em bebedeiras de azul. 
Eles não sabem que o sonho 
é vinho, é espuma, é fermento, 
bichinho álacre e sedento, 
de focinho pontiagudo, 
que fossa através de tudo 
num perpétuo movimento. 
Eles não sabem que o sonho 
é tela, é cor, é pincel, 
base, fuste, capitel, 
arco em ogiva, vitral, 
pináculo de catedral, 
contraponto, sinfonia, 
máscara grega, magia, 
que é retorta de alquimista, 
mapa do mundo distante, 
rosa-dos-ventos, Infante, 
caravela quinhentista, 
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim, 
florete de espadachim, 
bastidor, passo de dança, 
Colombina e Arlequim, 
passarola voadora, 
para-raios, locomotiva, 
barco de proa festiva, 
alto-forno, geradora, 
cisão do átomo, radar, 
ultra-som, televisão, 
desembarque em foguetão 
na superfície lunar. 
Eles não sabem, nem sonham, 
que o sonho comanda a vida. 
Que sempre que um homem sonha 
o mundo pula e avança 
como bola colorida 
entre as mãos duma criança. 
António Gedeão (1906-1997)
in "Movimento Perpétuo", 1956
 


 






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