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2019-04-18

Sonho Oriental - Antero de Quental

Sonho-me ás vezes rei, nalguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as aguas brilha...

O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...

E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto num cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 – Ponta Delgada, 11 de setembro de 1891)

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2019-04-17

Boletim - Miguel Torga

Coimbra, 17 de Abril de 1969

Tarde limpa,
De pureza comungada.
No rio, corre, parada,
a paisagem reflectida;
Há não sei que voz traída
No silêncio do que é mudo;
A luz parece despida;
E uma alegria incontida
Sorri no rosto de tudo.

in Diário XI 1973
Extraído de Miguel Torga, Poesia Completa, Publicações Dom Quixote

Miguel Torga, mais precisamente Adolfo Correia da Rocha, nasceu em São Martinho de Anta, Sabrosa, Trás-os-Montes, a 12 de agosto de 1907; morreu em Coimbra a 17 de janeiro de 1995.

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2019-03-27

Arte-final - Affonso Romano de Sant'Anna

Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.


Affonso Romano de Sant'Anna (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 27 de março de 1937)

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2019-03-20

Cavalo de várias cores - Reinaldo Ferreira

Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?

Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (n. em Barcelona, a 20 de março de 1922; m. em Moçambique a 30 de junho de 1959)

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2019-03-18

Menino e Moço - António Nobre

Tombou da haste a flor da minha infância alada.
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta. Águia, linda fada
Que dantes estendia as asas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa visão de luar que vivia encantada,
Num castelo de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as águias de oiro, águias da minha infância,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se à distancia!

Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na asa do vento os ais que a alma chora,
Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais...


Versão extraída da cópia digital Projeto Gutenberg do original ANTONIO NOBRE, SÓ, PARIS, LÉON VANIER, ÉDITEUR 19, QUAI SAINT-MICHEL, 19, 1892

Existe outra versão com alterações nos 3º e 9º versos que seriam
Voou aos altos céus a pomba enamorada
Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância,
(versão vista por exemplo aqui)

Em obediência à publicação preferimos a Sta. Águia e as águias de oiro (até porque o Benfica mais uma vez voou alto!)

António Pereira Nobre (nasceu no Porto a 16 de Agosto de 1867 e foi vítima de tuberculose pulmonar, na Foz do Douro, Porto a 18 de Março de 1900).

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