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2013-03-29

ANTÓNIO DE OLIVEIRA - Fernando Pessoa

ANTÓNIO DE OLIVEIRA Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem…

ESTE SENHOR SALAZAR
é feito de sal e azar
Se um dia chove,
a água dissolve
O sal,
E sob o céu
Fica o azar, é natural…

Oh, c’os diabos
Parece que já choveu…

29-3-1935

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2013-03-28

Estou aqui. Há quanto tempo - Luís de Miranda Rocha

Estou aqui. Há quanto tempo,
já não sei. Minha memória,
sobre ti me reclino, o meu olhar
já tão deserto. E povoado.


Do livro As Mãos no Ar, 1976

Luís de Miranda Rocha, jornalista, crítico literário e poeta nasceu em Mira em 1947 e faleceu em Coimbra a 28 de Março de 2007

Ler do mesmo autor: Se te falasse se me ouvisses eu

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A jantar, tarde - Fernando Semana

Estava a jantar,
tarde,
a comer
arroz de legumes;
de repente,
o olhar
- que não mente -
arde
a ver tudo verde,
e as couves a converterem-se
em facas de dois gumes.

Fernando Semana, economista, nasceu em 12 de outubro de 1957, em Valbom do concelho de Gondomar

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2013-03-27

Cilada Verbal - Affonso Romano de Sant'Anna

Há vários modos de matar um homem:
com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra
– envenenada.

Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase engatilhada
e o outro morre
– na sintaxe da emboscada.

Affonso Romano de Sant'Anna (Belo Horizonte, 27 de março de 1937)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Homem e a Morte
Silêncio Amoroso
Arte-final

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2013-03-26

O saber do poeta - Mário Cabral

O Saber do Poeta consiste em ter na mão uma gema de ovo
Ver na gema de ovo o sol e sofrer queimadura de terceiro grau
Ter a palma da mão puro espelho reflexifulgente
Obrigar, portanto, a linguagem, como se vê, a reflectir
A reflexão do Poeta é a que vê mais perto:
Vai da gema para o sol, vai da gema para a pedra preciosa
Vai da gema para as chagas de Cristo
Vai da gema para o Conhecimento gemelar de todo o Ser.
E pela queimadura da mão entra no corpo o sol
Incendeia a mente do Poeta que, porque mente
E a esta escala, não pode ser levado muito a sério
Por quem se encontre em patamar inferior da escada.
O Poeta grita alto, ele avisa do alto do altíssimo:
- Não se aproximem dos ovos! E o eco justamente repercute:
- Aproximem dos olhos! Aproximem dos olhos!
Ao mesmo tempo mostra a palma da mão livre. Pretende exemplificar
O Universo inteiro está nas linhas deste mapa que respira.
De algum modo o povo reconhece o Saber do Poeta
Há que ser apenas um a salvar o Pai sol do anonimato;
Reconhece o sangue frio do toureiro e, por conseguinte, nos dias de festa
O Poeta deixa a cozinha, enverga o traje da Luz, entra na arena
Uma arena é ainda uma gema, percebe-se pelo som das palavras.
Vitorioso, a corrida é paga com cestas e cestas de ovos e ovos
Que o Poeta leva para o alto, para o altíssimo
Vai acompanhado por um aprendiz que deixa a família a chorar
No alto do altíssimo vai chocar os ovos e de cada ovo
Uma estrela e é por isso que nesta língua circular
Se chamam céus estrelados aos céus da felicidade
Da plena felicidade, da plena felicidade.

Mário Cabral, nasceu na ilha Terceira, em 1963

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2013-03-25

Cérbero - Pedro Kilkerry

É, não vens mais aqui... Pois eu te espero,
Gele-me o frio inverno, o sol adusto
Dê-me a feição de um tronco, a rir, vetusto
- Meu amor a ulular... E é o teu Cérbero!

É, não vens mais aqui... E eu mais te quero,
Vago o vergel, todo o pomar venusto
E a cada fruto de ouro estendo o busto,
Estendo os braços, e o teu seio espero.

Mas como pesa esta lembrança... a volta
Da aléia em flor que em vão, toda transponho,
E onde te foste, e a cabeleira solta!

Vais corações rompendo em toda a parte!
Virás, um dia... E à porta do meu Sonho
Já Cérbero morreu, para agarrar-te.

Pedro Militão Kilkerry (n. em Salvador (BA), a 10 de Março de 1885: m. em 25 de Mar. 1917)

Ler do mesmo autor:
Ritmo Eterno
Folhas da Alma
É o Silêncio

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2013-03-24

O Meu Retrato - Olegário Mariano

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Busto de Olegário Mariano em bronze sobre pedestal em granito, na cidade do Rio de Janeiro e que terá sido furtado em 2001. Extraída de www.rio.rj.gov.br


Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.

Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.

Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.

E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.

Olegário Mariano Carneiro da Cunha (n. no Recife em 24 Mar 1889, m. no Rio de Janeiro, em 28 Nov. 1958)

Ler do mesmo autor:
A Canção da Saudade
Almas Irmãs
Arco-Íris
Teia de Aranha
O Enamorado das Rosas
O Conselho das Árvores
O Enterro da Cigarra

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2013-03-23

Lua - Hélio Pellegrino



Ó lua
sereníssima seda desfraldada
neste painel de fim da tarde
sombra de um sol oculto

- que arde.

Hélio Pellegrino (n. em Belo Horizonte (MG) em 05 Jan. 1924; m. 23 Mar. 1988)

Ler do mesmo autor:
Plenitude
Catacumbas

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2013-03-22

Pubescência - Guimarães Passos


Ei-la! Chega ao jardim, que estava triste,
Porque a sua alegria ausente estava,
E ela, que em vê-lo dantes se alegrava,
Agora a toda a tentação resiste.

Seria outra alma, pensa, que a animava?
Por que um desejo que a persegue insiste?
Qualquer cousa que ignora, mas que existe,
Pulsa-lhe ao coração que não pulsava.

Triste cismando segue, e em frente à fonte:
— Um sátiro, de cuja boca escorre
Um fino fio d'água transparente,

Ri-se dos cornos que lhe vê na fronte,
Os lábios cola aos dele, e porque morre
De sede, bebe alucinadamente...

Sebastião Cícero dos Guimarães Passos (n. em Maceió a 22 de Março de 1867 — m. Paris, 9 de Setembro de 1909).

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Os Ratos - Fernando Pessoa


Viviam sempre contentes,
No seu buraco metidos,
Quatro ratinhos valentes,
Quatro ratos destemidos.

Despertaram certo dia
Com vontade de comer,
E logo à mercearia
Dirigiram-se a correr.

O primeiro, o mais ladino,
A uma salsicha saltou,
E um bocado pequenino
Dessa salsicha papou.

Eu choro do rato a sina,
Que a tal salsicha matou,
Por causa da anilina
Com que alguém a colorou.

O segundo, coitadinho,
À farinha se deitou,
E comeu um bocadinho,
Um bocadinho bastou.

Após comer a farinha
Teve ele a mesma sorte,
Pois o alúmen que ela tinha
Conduziu-o assim à morte.

O terceiro, pra seu mal,
Gotas de leite sorveu,
Mas o leite tinha cal;
Foi por isto que ele morreu.

O quarto, desmiolado,
A negra morte buscou,
E julgou tê-la encontrado,
Quando o veneno encontrou.

E sorvendo sublimado,
Enquanto este gastava,
(Agora invejo-lhe o fado),
O feliz rato engordava.

É só cá neste terreno,
Que caso assim é passado —
Até o próprio veneno
Já fora falsificado!
[c. 22-3-1902]

in Poesia do Eu, Obra Essencial de Fernando Pessoa, edição Richard Zenith, Assírio Alvim

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2013-03-21

Dia Mundial da Poesia / World Poetry Day



 La poesía es algo que anda por las calles. Que se mueve, que pasa a nuestro lado. Todas las cosas tienen su misterio, y la poesía es el misterio que tienen todas la cosas
 (Federico Garcia Lorca)


Poetry is one of the purest expressions of linguistic freedom. It is a component of the identity of peoples and it embodies the creative energy of culture, for it can be continuously renewed (message from Ms. Irina Bokova Director-General of UNESCO, on the occasion of World Poetry Day 21 March 2013)

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O Banho dos Pobres - Tonino Guerra

Os pobres da minha terra
tomam banho no rio
e estão de molho na água
um dia inteiro.
Ali há muito ar muito sol muitos borrifos.
Voltam quando é noite
Encontram outra vez as velhas casas
com as cabeças dos gatos aos janelos
e toda a água nos cântaros represa.


Trad. Alexandre O'Neill

in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro; Porto Editora

Antonio "Tonino" Guerra (nasceu em 16 de março de 1920, Santarcangelo di Romagna, Italia - faleceu em 21 de março de 2012)

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2013-03-20

Nirvana - Menotti del Pichia

Quisera ficar a teu lado
No grande êxtase pacífico
do nosso silêncio.
Continuar indefinidamente
o diálogo mudo dos nossos olhos.

Quisera
diluir-me em ti como um aroma no vento
como dois rios que fundem suas águas
no abraço do mesmo leito
e correm para o mesmo destino...

Somos duas árvores solitárias
que entrelaçam suas ramas:
à mesma brisa estremecem
florescem
envelhecem
e morrem...


Paulo Menotti del Picchia (nasceu em São Paulo, SP, em 20 de março de 1892, e faleceu na mesma cidade em 23 de agosto de 1988).

Ler do mesmo autor:
Germinal I
Chuva de Pedra;
Noite;
Piedosa Mentira
Clássico.

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2013-03-19

Se a incompetência dos governantes pagasse imposto não tínhamos défice

Ouvi hoje o Ministro Gaspar falar sobre o programa de ajustamento que a troika e este Governo impuseram (e impõem)
aos portugueses e não queria acreditar:

«Efectivamente em 2011, não obstante um esforço bastante considerável de controlo orçamental e medidas orçamentais que não estavam previstas no programa original, a forma como estava desenhado o programa impediu a concretização plena dos montantes de ajustamento orçamental que estavam previstos; o que, naturalmente conduziu a uma situação em que esse ponto de partida desfavorável, conjuntamente com uma evolução internacional que também foi desfavorável, exigiu, para ancorar as expectativas que nos permitiram o regresso aos mercados de obrigações, uma tomada de medidas de consolidação orçamental substancialmente superiores ao que estava previsto no programa de ajustamento».

Ao que chegou a hipocrisia e a incompetência! O erro, afinal, estava no programa mal desenhado. Como o Ministro (e o Governo) tomou medidas para além do programa quer dizer que amplificou o erro. Agora é isto: tantas medidas, impostos e restrições e o défice orçamental em 2012 foi 6,6%, o desempregoi vai aumentar para 19%, a quebra do PIB, que no Orçamento para 2013 ia ser 1% afinal foi revisto há pouco tempo para 2%, mas o Ministro assume que vai ser 2,3%! Tanta incompetência... e continua lá no posto ... Este é um caso paradigmático de justa causa para despedimento...

Se a incompetência dos governantes pagasse imposto o país não tinha défice!


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Silêncios - Cruz e Sousa

Largos Silêncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais límpido cortejo...

Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!


João da Cruz e Sousa (n. em Desterro, hoje Florianópolis a 24 Nov 1861; m. na Estação de Sítio, Minas Gerais a 19 Mar 1898)

Ler do mesmo autor:
Violões que Choram
Ironia de Lágrimas
O Assinalado
Inefável
Vida Obscura
Sorriso Interior
Monja

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2013-03-18

Na praia lá da Boa Nova, um dia - António Nobre


Na praia lá da Boa Nova, um dia,
Edifiquei (foi esse o grande mal)
Alto Castelo, o que é a fantasia,
Todo de lápis-lazúli e coral!

Naquelas redondezas não havia
Quem se gabasse dum domínio igual:
Oh, Castelo tão alto! parecia
O território dum senhor feudal!

Um dia (não sei quando, nem sei donde)
Um vento seco de deserto e spleen
Deitou por terra, ao pó que tudo esconde,

O meu condado, o meu condado, sim!
Porque eu já fui um poderoso Conde,
Naquela idade em que se é conde assim...

António Pereira Nobre (nasceu no Porto a 16 de Agosto de 1867 e foi vítima de tuberculose pulmonar, na Foz do Douro, Porto a 18 de Março de 1900).

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Teu Retrato
À Luz de Lua
Ao Cair das Folhas
Virgens que passais
Carta ao Oceano
A Leão XIII
Ladainha
Purinha
E a vida foi, e é assim, e não melhora

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2013-03-17

Quanto, quanto me queres ? - perguntaste - António Botto

Quanto, quanto me queres? - perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.

Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida...

Beijámo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar...

Não perguntes, não sei - não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

in Poemas de Amor, Antologia de posia portuguesa, Organização e prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote

António Tomaz Botto nasceu a 17 de Agosto de 1897, em Casal da Concavada, Abrantes e faleceu no Rio de Janeiro a 17 de Março de 1959)

Ler do mesmo autor, neste blog:

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2013-03-16

A recusa das imagens evidentes: na passagem do 20º aniversário do passamento da poetisa açoreana Natália Correia

foto : Violetas

Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que são só iguais
À mais longínqua onda do teu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo...

NATÁLIA CORREIA (n. na Ilha de S. Miguel, Açores a 13 Set 1923; m. em Lisboa a 16 Mar 1993)

Ler da mesma autora:
O Espírito
Queixa das almas jovens censuradas
Poema destinado a haver domingo
O Sol nas noites e o Luar nos dias
Retrato Talvez Saudoso da Menina Insular
Boletim Meteorológico
Nictofagia
Na Câmara de Reflexão IV
A luz meridional que, rigorosa
Fiz um conto para me embalar
Poema dirigido ao deputado João Morgado

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2013-03-15

Juízo Final - Blas de Otero

Eu pecador, artista do pecado,
comido pela ânsia até aos ossos,
eu, tropel de esperanças e fracassos,
escultura de dor, firma do vento.

Eu, pecador, enfim, desesperado
de sombras e de sonhos: eu confesso
que sou um homem em modo de falar-vos
da vida. Pequei. Não me arrependo.

Nasci para contar com estes lábios
que a morte varrerá um dia destes
as descidas mais esplêndidas a pique
daquele belo avião de carne e osso.

De asas para cima, arremessou ou braços
fazendo alarde de tão alto invento;
penas de níquel; lentas, escrevei,
Ei-las aqui, fincadas neste solo.

Este é meu sítio. Meu terreno. Campo
de aterrar de minha ânsia. Céu
do avesso. Meu sítio e não o troco
por nenhum. Caí. Não me arrependo.

Ímpetos novos nascerâo, mais altos.
Chegarei por meus pés - para que os quero? -
a pátria do homem: ao céu limpo
dessas sombras e dessas esperanças.

in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, selecção e tradução de José Bento; Assírio & Alvim

Blas de Otero Muñoz (n. Bilbao, 15 de Mar. de 1916 - m. Madrid, 29 de Jun de 1979)

Ler do mesmo autor: Campo de Amor (Canção)
                                   A Ponto de Cair

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2013-03-14

Ahasverus e o gênio - Castro Alves (no Dia Nacional da Poesia, no Brasil)


     Sabes quem foi Ahasverus?...— o precito,
     O mísero Judeu, que tinha escrito
             Na fronte o selo atroz! 
     
     Eterno viajor de eterna senda...
     Espantado a fugir de tenda em tenda,
     Fugindo embalde à vingadora voz!

     Misérrimo!  Correu o mundo inteiro,
     E no mundo tão grande... o forasteiro
             Não teve onde... pousar.
      
     Co'a mão vazia — viu a terra cheia.
     O deserto negou-lhe — o grão de areia,
     A gota d'água — rejeitou-lhe o mar.

     D'Ásia as florestas — lhe negaram sombra
     A savana sem fim — negou-lhe alfombra.
            O chão negou-lhe o pó!...
      
     Tabas, serralhos, tendas e solares...
     Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
            E o triste seguiu só.

     Viu povos de mil climas, viu mil raças,
     E não pôde entre tantas populaças
            Beijar uma só mão ...
      
     Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
     Desde a inglesa à crioula das Antilhas
            Não teve um coração! ...

     E caminhou!... E as tribos se afastavam
     E as mulheres tremendo murmuravam
            Com respeito e pavor.
      
     Ai! Fazia tremer do vale à serra...
     Ele que só pedia sobre a terra
           — Silêncio, paz e amor! —

     No entanto à noite, se o Hebreu passava,
     Um murmúrio de inveja se elevava,
     Desde a flor da campina ao colibri.
      
     "Ele não morre", a multidão dizia...
     E o precito consigo respondia:
            — "Ai! mas nunca vivi!" —

       ................................
     O Gênio é como Ahasverus... solitário
     A marchar, a marchar no itinerário
            Sem termo do existir.

     Invejado! a invejar os invejosos.
     Vendo a sombra dos álamos frondosos...
     E sempre a caminhar... sempre a seguir...

     Pede u'a mão de amigo — dão-lhe palmas:
     Pede um beijo de amor — e as outras almas
           Fogem pasmas de si. 
                                               
      E o mísero de glória em glória corre...
      Mas quando a terra diz: — "Ele não morre"
      Responde o desgraçado: — "Eu não vivi!..."

in Rosa do Mundo, 2001 Poemas Para o Futuro, Porto Editora

António Frederico de CASTRO ALVES nasceu em Muritiba (BA) a 14 de Março de 1847 e morreu, em São Salvador (BA) a 6 de Julho de 1871

De Castro Alves já divulgámos aqui neste blog Boa Noite, O Adeus de Teresa; Adormecida
Beijo Eterno; Mocidade e Morte; Horas de Saudade

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2013-03-13

O AR DE UM DIA - Giórgos Seféris

O ar de um dia há dez anos vivido em terra estranha,
de um momento remoto que adeja e vai-se, anjo de Deus;
voz de mulher por cautela esquecida, a duras penas;
desolação do fim, crepúsculo de pedra num Setembro.

Casas novas, clínicas poeirentas, janelas leprosas, lojas funerárias…
Quem sabe o que sofre um farmacêutico sensível no plantão da noite ?
O quarto em desordem: gavetas, janelas, portas bocejam, feras más.
Um homem fatigado deita as cartas, mede os astros, perquire-se,
         procura,
inquieta-se. Batem à porta: ah, quem vai abri-la? Aberto o livro,
        quem lê? Aberta a alma, quem vê?

Onde o amor que desconcerte o uno tempo e o corte em dois?
Palavras só, e gestos, mudo monólogo ao espelho, sob a ruga.
Gota de tinta num lenço, o tédio espalha-se.
Morreram todos a bordo, mas o barco persegue a ideia que o segue
        desde o porto.
As unhas do capitão, como cresceram…E o armador barbudo que
        tinha três amantes em cada escala…
O mar incha sem pressa, as velas pavoneiam-se e o dia já se abranda.
Três golfinhos negrejam, cintilantes; a sereia sorri; um marinheiro
        esquecido acena lá da gávea.

Tradução de José Paulo Paes

In Rosa do Mundo – 2001 Poemas Para o Futuro
Assírio & Alvim, 2001

Giorgos or George Seferis (Γιώργος Σεφέρης) was the pen name of Geōrgios Seferiádēs (Γεώργιος Σεφεριάδης, 13 March [O.S. 29 February] 1900 -Sep 20, 1971)

Do mesmo autor: The Jasmin

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2013-03-12

Musical suggestion of the day: You've got a friend - James Taylor



James Vernon Taylor (born March 12, 1948 in Boston, Massachusetts, USA)

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Os Pastores - Gabrielle D'Annunzio, na passagem dos 150 anos do nascimento

Rebanho foto de Rosário Soares daqui

Setembro. Vamos. Tempo de migrar.
Nos Abruzos, agora, os meus pastores
Deixam cabanas, marcham para o mar.
Descem para o Adriático bravio,
Verde como as pastagens de altos montes.

Beberam fundo nas alpestres fontes
Para que de água do nativo ninho
O gosto fique a confortar o exílio
E longo iluda a sede do caminho.
Cajados novos têm de alvelaneira.

Ao plaino vão descendo de maneira
Que são como um rio silencioso
Passando nos sinais de antigos passos.
Ó voz daquele que primeiro ansioso
Distingue o trémulo da beira-mar!

Já pela praia o rebanho a andar
Cruza dos ares a quente imóvel teia,
E tanto aloura o sol a viva lã
Que quase não se aparta ela da areia.
E as ondas e o tropel... doces rumores.

Ah porque não estou eu com os meus pastores?


in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim
(Tradução de Jorge de Sena)

Gabriele D´Annunzio(Gaetano Rapagnetta) nasceu em 12 Mar. 1863 em Pescara, Itália 1863 – faleceu a 1 Mar. 1938)

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2013-03-11

A Noiva - Gonçalves Crespo


A noiva passa rindo
De rosas coroada,
Como um botão surgindo
Á luz da madrugada.

Na fronte imaculada
O véu lhe desce lindo,
E a brisa enamorada
Lhe furta um beijo infindo.

Ante o altar se inclina
A noiva, e purpurina
Murmura a medo: «Sim.»

Agora é noite; a lua
No céu azul flutua,
E o noivo diz: «Enfim!»

Extraído de Obras Completas, Tavares Cardoso & Irmão - Editores, Lisboa 1897 (com adaptação da ortografia)

António Cândido Gonçalves Crespo (n. Rio de Janeiro a 11 Mar 1846; m. em Lisboa a 11 Jun 1883)

Ler do mesmo autor:
Mater Dolorosa
O Coveiro
Na Aldeia
O Relógio
Nunca eu te lesse, balada!
Na Roça

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2013-03-10

RETRATO - Vasco de Lima Couto

Fui só eu que estraguei as alvoradas
- presas suaves nos plúmbeos céus!,
e dei água aos ribeiros da minha alma
e fiz preces de amor e sangue, a Deus...

Fui só eu que, sabendo da tormenta
que o vento da nortada me dizia,
puz meus lábios no sonho incompleto
e rasguei o meu corpo na poesia.

Vieram dar-me abraços e contentes
viram que me afundava sem remédio
- nem um grito subia do horizonte
há mil anos deitado sobre o tédio!

Quando chamaram por mim do imenso rio
que a noite veste para se entreter
vi que os barcos andavam cheios de almas
buscando sonhos para não sofrer.

Cantavam doidas como a dor e a morte
parando, a espaços, para ver montanhas
e eram luzes mordidas pelas sombras,
corajosas, infelizes - mas tamanhas!

Eu fugi de as ouvir (que ardentes vozes...)
de navegar nas mesmas ansiedades
e fui sozinho semear as luas
e a natureza inculta das idades.

Parti, negando à vida o seu direito,
recalcando os meus sonhos e os meus medos...
sei agora que matei o meu destino
e quebrei o futuro nos meus dedos.

in Os Olhos e o Silêncio - 1952


 Vasco de Lima Couto (Porto, 26 de Novembro de 1923 - Lisboa, 10 de Março de 1980)

Do mesmo autor ler (e ouvir) no Nothingandall:
Noite na voz de António Mourão
Pomba Branca na voz de Max e no duo Paulo de Carvalho + Dulce Pontes
Disse-te Adeus e Morri - na voz de Amália

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2013-03-09

Natal - Álvaro Feijó, dito por Mário Viegas



Álvaro de Castro e Sousa Correia Feijó nascido a 5 de Julho de 1916, em Viana do Castelo, morreu, a 9 de Março de 1941

Nasceu.
Foi numa cama de folhelho
entre lençóis de estopa suja
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroas de baionetas
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.

Ler do mesmo autor:
Os Dois Sonetos de Amor da Hora Triste
A Nau Perdida
Senhor! De que Valeu o Sacrifício?
Se os Homens Quisessem

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2013-03-08

De «A ViDA» - João de Deus

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;

A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!


(Campo de Flores, 1893)
in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI, Porto Editora

João de Deus de Nogueira Ramos, nasceu em 8 de Março de 1830 em São Bartolomeu de Messines, Silves e faleceu em Lisboa em 11 de Janeiro de 1896.

Ler do mesmo autor no Nothingandall:
Ego Dormio, Et Cor Meum Vigilat
Amor
Adeus
De Dia a Estrela de Alva Empalidece
A Cigarra e a Formiga
Agora
Miséria...
Soneto De «O Seu Nome» - João de Deus
Na Campa de Antero de Quental - João de Deus

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Musical suggestion of the day: Desespero - Jorge Fernando



Jorge Fernando da Silva Nunes nasceu em Lisboa no dia 8 de Março de 1957.

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2013-03-07

Saudade do teu corpo - António Patrício

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?...

Anda a saudade do teu corpo (sentes?...)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado...»

É o teu corpo em sombra esta saudade...
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade...

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra...
Vês?! A saudade é um escultor antigo!

in Poesia Completa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1989

António Patrício (n. no Porto a 7 Mar 1878, m. em Macau, China a 4 Jun 1930)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O QUE É VIVER
Uma Manhã no Golfo do Corinto
Relíquia
É Uma Tarde de Estio
Em Prinkipo

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Lúcia - Artur de Sales

Lúcia chegou, quando do inverno o tredo
Vento agitava o coqueiral vetusto.
Vinha ofegante, e pálida de susto,
E trêmula de medo...

Ah! quanto beijo e quanto riso ledo
Deu-me o seu lábio, rúbido e venusto!
Quanto divino sentimento augusto,
Quanto infantil segredo!

Lúcia partiu... E aquele riso doce
Lúcia levou! A casa transformou-se
Num sepulcral degredo.

Se o vento agita o coqueiral vetusto,
Inda a recordo: pálida de susto
E trêmula de medo...

Artur Gonçalves de Sales (n. em Salvador, Bahia, 7 de março de 1879 — m. Salvador, Bahia, 27 de junho de 1952)

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2013-03-06

QUERO QUE O SAIBAS - Eduardo Alves da Costa

Quero que o saibas, linda Inês:
meu coração é português.
E dentro do peito fareja latidos
da alma que há muito me fugiu.

Ando sem alma, já se vê,
à procura de não sei quê.
Talvez um cheiro, uma cor, um som
- memória do tempo em que eu,
cidadão de Viseu,
vivia na bolsa seminal de meu pai.

O que foi ele buscar no mundo?
O azul profundo que há nos mares
quando se os tem interiores;
novos amores, terras mais vastas.
Não são assim os descobridores?

Pois meu coração é assim:
navegante à deriva, naufragado em mim!


Eduardo Alves da Costa nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, a 6 de março de 1936.

Do mesmo autor neste blog: No Caminho, com Maiakóvsky

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Happy Birthday - Esti Ginzburg

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2013-03-05

Miragaia - Pedro Homem de Mello

Foto daqui

A Fernando João

Aqui, onde esta noite nunca cessa,
Foi Miragaia a minha Madragoa.
Aqui, em frente ao rio, oiço a promessa
Do mar que ajoelha, enquanto me atordoa.
Aqui, sei onde sangra o lábio oculto.
De quem me vê, até de olhos fechados!
E, como os cegos, reconheço um vulto,
Pelo roçar dos dedos namorados…
Deviam chamar Pedro, em vez de Porto,
Ao burgo, se é tal do meu tamanho!
Aqui
Nasci
Porém nasci já morto,
Imóvel, surdo, triste, mudo, estranho…
Deu-me Deus ele, apenas, por amigo.
Deitamo-nos cismando, lado a lado…
Seu corpo, rijo e nu, dorme comigo,
Mas fico, entre os seus braços, acordado.

Pedro da Cunha Pimentel Homem de Melo (Porto, 6 de Setembro de 1904 — Porto, 5 de Março de 1984)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Bailador de Fandango
Solidão
Biografia
Oásis
Véspera
Berço
Obrigado
Uma Ânsia de Nudez
Povo que lavas no rio
Não choreis os mortos
Revelação

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2013-03-04

Engrinalda-me com os teus braços - Eugénio de Castro

Teu corpo de âmbar, gótico, afilado,
Sempre velado de cheirosos linhos,
Teu corpo, aprilino prado,
Por onde o meu desejo, pastor brando,
Risonho há-de viver, pastoreando
Meus beiços, desinquietos cordeirinhos,
Teu corpo é esbelto, ó zagala esguia,
Como as harpas que o pai de Salomão tangia!

Teu corpo eléctrico, ogival,
Núbil, sequinho, perturbante,
É uma dispensa real:
Os teus olhos são duas cabacinhas
Cheias dum vinho estonteante
Os teus dentes são alvas camarinhas,
Os teus dedos, suavíssimos espargos,
E os teus seios, pêssegos verdes mas não amargos.

Lira de nervos, glória das trigueiras,
Como tu és graciosa! As laranjeiras
Desde que viste o sol com esses sóis amados
Só vinte vezes perfumaram noivados!
Nobre e graciosa és, morena das morenas,
Como as senhoras dos olhos belos,
Que passeavam nos jardins de Atenas
Com uma cigarra de ouro nos cabelos!

Como tu, eu sou moço! e atrevido
Com Anceu, rei de Samos
E jamais caçador me fez vencido
Quando, caçando o javali ando entre os ramos.
O meu peito é de jaspe, a minha voz macia,
Meus olhos ágeis e dourados como abelhas
E, para que as colhas, minha boca sadia
É um orvalho cabazinho de groselhas

Novos e alegres somos! Ah! que em breve
Nossas bocas se colem voluptuosas;
Vamos sonhar e toucar-nos de rosas
Enquanto há sol, enquanto não cai neve!
Não te demores,
Ó cheia de graça,
Que os dias correm voadores
E a mocidade passa...
A mocidade passa...e, um dia ó meus pecados,
A tua boca vermelha
Será uma rosa velha,
E minhas mãos uns lírios fanados...

E então, velhinhos combalidos,
Como dois galhos ressequidos
Sem folhas e sem pomos
Lembrar-nos-emos do que hoje somos,
Ó maravilha de graciosidade
Como dum filho e duma filha
Que nos morressem na flor da idade!

(Silva 1894)

in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Eugénio de Castro (n. em Coimbra a 4 Março de 1869; m. em Coimbra, a 17 de Agosto de 1944)

Ler do mesmo autor:
Circe
Um Sonho
A Laís
Tua frieza aumenta o meu desejo
Presságios
Epígrafe
Amores

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2013-03-01

Interrogação - Camilo Pessanha

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.


in Os dias do Amor - Um poema para cada dia do ano
Recolha, seleção e organização de Inês Ramos
Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho
Ministério dos Livros

CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau (China) a 1 de Março de 1926.

Ler neste blog, do mesmo autor:
Singra o navio. Sob a água clara
Castelo de Óbidos
Água Morrente
Fonógrafo
Desce em Folhedos Tenros a Colina
Estátua
Foi um dia de inúteis agonias
Quem poluiu quem rasgou os meus lençois de linho
Floriram por engano as rosas bravas
Caminho I
Ao longe os barcos de flores
Queda

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