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2016-09-30

Soneto [Venho de longe, trago o pensamento] de Paulo Bomfim na passagem do 90º aniversário


Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.

Paulo Lébeis Bomfim (n. em São Paulo, SP, Brasil, 30 de setembro de 1926)

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2016-09-29

EM SINTRA - Luís Miguel Nava


As águas maravilham-se entre os lábios
e a fala, rápidos
em Sintra espelhos surgem como pássaros,
a luz de que se erguem acontece às águas,
à flor da fala
divide os lábios e a ternura. Da linguagem
rebentam folhas duma cor incómoda, as de que
maravilhado de água surges entre
livros, algum crime, um
menino a dissolver-se ou dele os lábios e ergues
equívoca a luz depois. Rápidos
espelhos então cercam-te explodindo os pássaros.


Películas (1979); In Poesia Completa 1979-1994; Lisboa, Dom Quixote, 2002

Luís Miguel de Oliveira Perry Nava (nasceu em Viseu, 29 de setembro de 1957 — m. Bruxelas, 10 de maio de 1995)

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2016-09-28

CANÇÃO - Emílio Moura



Que consciência dividida
me faz ser dois e, em seguida,
me torna um só, mas sem vida?

Quem me trouxe a este degredo?
Quem me jogou desde cedo
em labirintos de medo?

Que sombra, estigma ou segredo
se grava, trêmulo, a medo,
em minha face plural?

Quem te conta o que não digo
e dorme sempre comigo
sono de pedra e de cal?

Emílio Guimarães Moura (14 de agosto de 1902, Dores do Indaiá, Minas Gerais, Brasil — 28 de setembro de 1971, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil)

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2016-09-27

As Andorinhas - Rodrigues de Abreu


Bastou para eu amá-las isto apenas:
Uma tarde chegando ao meu recanto
Deram momentos de alegria e encanto,
Calor de ninhos, maciez de penas...

E homem de fel, tornei-me bom e santo!
Charco imundo, coalhei-me de açucenas
— Só por elas, sem pejo e sem espanto,
A mim baixarem do alto céu serenas.

E do alto céu sereno elas trouxeram
Todo o mundo vibrante das cantigas
Dos que hoje gozam e que já sofreram,

Povoando do meu ser a soledade,
Vivendo nele, eternamente amigas,
Na perpétua presença da saudade.

Benedito Luís Rodrigues de Abreu (n. Capivari (SP) a 27 de setembro de 1897; m. em Bauru (SP) a 24 de novembro de 1927)

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2016-09-26

Declaração de amor – Luis Fernando Verissimo

Tentei dizer quanto te amava, aquela vez, baixinho...
mas havia um grande berreiro, um enorme burburinho
e, pensando bem, o berçário não era o melhor lugar.
Você de fraldas, uma graça, e eu pelado lado a lado,
cada um recém-chegado,
você sem saber ouvir, eu sem saber falar...

Tentei de novo, lembro bem, na escola.
Um PS no bilhete pedindo cola,
interceptado pela professora como um gavião...
Fui parar na sala da diretora e depois na rua,
enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua...
A vida é curta, longa é a paixão.

Numa festinha (ah, nossas festinhas...), disse tudo:
"Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo"
E você não disse nada... E você não disse nada...
Só mais tarde, de ressaca, eu atinei:
Cheio de amor e "Cuba", me enganei
...e disse tudo para uma... almofada!

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou persona pouco grata,
corrido aos gritos de "Mata!! Mata !!"
por conservacionistas, ecólogos e afins...

Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:
"Se não me segurarem, eu faço um soneto!"
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Você não leu, e nem sequer ficou sabendo....
Continuo inédito e eu, por teu amor sofrendo...
Mas fui premiado num concurso em Minas.

Comecei a escrever com pincel e piche
em muro branco, o asseio que se lixe,
todo o meu amor para a tua ciência.
Fui preso, aos socos, e fichado.
Dias e mais dias interrogado:
era PC, PC do B ou alguma dissidência?

Te escrevi com lágrimas, sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel!...)
uma carta longa, linda e passional.
De resposta nem uma cartinha
nem um cartão, nem uma linha!...
Vá se confiar no Correio Nacional!

Com uma serenata, sim, uma serenata
como nos tempos da Cabocla Ingrata
me declararia, respeitando a métrica.
Ardor, tenor, a calçada enluarada…
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.

Decidi, então, botar a maior banca no céu
e escrever com fumaça branca:
“Te amo, assinado..” e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê
tudo para impressionar você
mas veio a crise, faltou o combustível!...

Ontem você me emprestou seu ouvido
e na discoteca, em meio do alarido,
despejei meu coração.
Falei da devoção ha anos entalada
e você disse “Não escuto nada!”.
Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado
em meio a um silêncio abençoado
direi o que sinto, meu bem.
O meu único medo é que então,
empinando a orelha com a mão,
você me responda só: “Hein?”


Luis Fernando Verissimo (nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil em 26 de setembro de 1936)

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2016-09-23

Para Que Tu Me Ouças - Pablo Neruda

Para que tu me ouças
as minhas palavras
adelgaçam-se por vezes
como o rasto das gaivotas sobre a praia.

Colar, guizo ébrio
para as tuas mãos suaves como as uvas.

E vejo-as tão longe, as minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
Vão trepando pela minha velha dor como a hera.

Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
Tu é que és a culpada deste jogo sangrento.
Elas vão a fugir do meu escuro refúgio.
Tu enches tudo, amada, enches tudo.

Antes de ti povoaram a solidão que ocupas,
e estão habituadas mais que tu à minha tristeza.

Agora quero que digam o que eu quero dizer-te
para que tu ouças como quero que me ouças.

O vento da angústia ainda costuma arrastá-las.
Furacões de sonhos ainda ainda por vezes as derrubam.
Tu escutas outras vozes na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nessa onda de angústia.

Mas vão-se tingindo com o teu amor as minhas palavras.
Ocupas tudo, amada, ocupas tudo.

Vou fazendo de todas um colar infinito
para as tuas brancas mãos, suaves como as uvas.


Tradução de Fernando Assis Pacheco
Extraído de "miguel veiga, os poemas da minha vida, Público"

Pablo Neruda [Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto] (n. 12 Jul 1904, Parral, Chile; m. 23 Set 1973 em Santiago, Chile).

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2016-09-22

Vaidade Funesta - Gustavo Teixeira


Porque eu, num madrigal, te comparei ás rosas,
Ficaste crendo que és das flores a rainha,
E já queres subir a alturas prodigiosas,
Ter surtos de condor com asas de andorinha

É tão bom ser violeta e á sombra de uma leira
Em flor guardar intacto o aroma azul! Pois olha
Que a rosa de mais graça e purpura é a primeira
Que a coroa real de pétalas desfolha...

in A Cidade de Ytu, Anno XXI, E. de S. Paulo, NUM.1704, de 9 de Fevereiro de 1916 (daqui)


Texto autobiográfico publicado no jornal "Correio Paulistano" de 11 de novembro de 1937:

"Nasci em São Pedro, no sítio São Francisco, perto da serra, em 4 de março de 1881, sendo meus pais Francisco de Paula e Silva e Miquelina Teixeira de Escobar e Silva. O meu nome todo é Gustavo de Paula Teixeira. Estudei as primeiras letras em casa, com minha mãe. E comecei a ler versos. Em 1901 (janeiro)fui para São Paulo onde continuei os estudos com o meu irmão Francisco de Paula Teixeira, espírito cultíssimo, que além de meu professor, foi o meu guia espiritual, iniciando-me na carreira das letras. Trabalhei, em 1905, na "Folha Nova", de Garcia Redondo. Colaborei, naquele tempo, nos principais jornais e revistas de São Paulo. Em fins de 1905, tendo desaparecido a "Folha Nova", voltei para São Pedro, onde fui nomeado secretário da Câmara, cargo que ocupo até esta data. Em 1908, publiquei o "Ementário", livro de versos, prefaciado por Vicente de Carvalho. Em 1925, publiquei os "Poemas Líricos". Tenho para publicar: "O Sonho de Marina", poemeto; "A Canção da Primavera", poemeto; "Último Evangelho", poema sobre a vida de Jesus (em preparo), e um grosso volume de poesias avulsas, ainda sem título.
São esses os traços principais de minha vida.
São Pedro, 6-10-31.
(a.)Gustavo Teixeira.

Sobre o autor e a sua obra (e de onde foi retirado o extrato autobiográfico acima transcrito) recomenda-se "GUSTAVO TEIXEIRA: O POETA QUE A CIDADE ENGOLIU" da autoria de Samanta Rosa Maia disponível aqui

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2016-09-21

Não dizia palavras - Luis Cernuda

Não dizia palavras,
Aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.

Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias
Até abrir na pele
Jorros de sonho
Feitos carne interrogando as nuvens.

Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em desejo.

Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.

in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Selecção e Tradução de José Bento,
Assírio & Alvim

Luis Cernuda Bidón (n. 21 de setemnro de 1902 em Sevilha, Espanha; m. novembro de 1963, Mexico City)

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2016-09-20

REGRESSO - Alberto de Lacerda



Por toda a parte espectros
Do mapa percorrido em cinco e quarenta
Prolongados anos

A cidade encontra
O espectro do que eu fui
Saído dos horrores da adolescência

Filtra obscuramente
O meu imo
Que não conheço

Vem
[irreconhecível
Ao meu encontro

Tacteamo-nos no escuro
Apaixonadamente

O amor é cego
Mas só ele permite
Realmente ver

Londres, 25 de Novembro de 1996

[in O Pajem Formidável dos Indícios, Assírio & Alvim, 2010]

Carlos Alberto Portugal Correia de Lacerda, nasceu em 20 de setembro de 1928 em Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique e faleceu em 26 de agosto de 2007 em Londres.

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2016-09-19

Segue o Teu Destino - Ricardo Reis

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis (um dos heterónimos de Fernando Pessoa) nasceu, em ficção, no Porto, em 19 de setembro de 1887. Educado num colégio jesuíta (latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria), formou-se em Medicina. Por ser monárquico, partiu para o Brasil em 1919 (daqui)

Aqui na voz de Maria Bethânia
...

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2016-09-16

Caminho da Verdade - António Carneiro

António Carneiro fotografado no seu atelier em 1929,
diante de um quadro inacabado. (daqui)

Venho da rua. Um inebriamento
De formas e de cores abalou
Um momento o meu ser, onde pousou
Numa interrogação um desalento.

No silêncio do lar as mãos ansiosas
Levanto, e cerro os olhos cismador.
Todas as sombras logo em derredor
De mim vêm alinhar-se carinhosas....

-Que tens, pobre amoroso? Duvidaste?
Viste só com os olhos, e cegaste...
Vê com a alma, amigo. Põe constante

O coração nas cousas. Ama, crê!
A verdade é em ti, amigo, sê
Tu mesmo, e acha-la-ás a todo o instante...


António Teixeira Carneiro Júnior nasceu em Amarante a 16 de setembro de 1872 e faleceu no Porto, 31 de março de 1930.

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2016-09-15

Soneto [Fiei-me nos sorrisos da ventura] - Bocage

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e oco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

Ah! não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

Manuel Maria Ledoux de Barbosa du Bocage (n. 15 de setembro de 1765 em Setúbal; m. Lisboa, em 21 de dezembro de 1805)

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2016-09-14

Voltando à Casa - Padre António Tomás

Passei um mês, um mês inteiro, fora
Do meu lar, sem ouvir os passarinhos,
Sem ver o louro bando de amiguinhos
Que aí deixei! Triste e cruel demora.

Mas, afinal, eis-me de volta agora,
E na ânsia de ver os coitadinhos,
Que suspiram talvez por meus carinhos,
Fustigo o meu corcel, que o chão devora.

Avisto a casa além, dobro a tortura
Que dela me separa...Oh! que ventura
Eu sinto na alma ao ir-me aproximando!

Chego ao portal, puxo o ferrolho e entro,
E me recebem pela sala a dentro
Crianças rindo e pássaros cantando.


Padre Antônio Thomaz Sales (nasceu em Acarati, Ceará a 14 de setembro de 1868 e faleceu em Fortaleza, Ceará, a 16 de julho de 1941).

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2016-09-13

Espírito - Natália Correia

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí me espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.


Extraído de "Cem Poemas no Feminino", selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria

Natália de Oliveira Correia (n. Fajã de Baixo, na Ilha de S. Miguel, Açores a 13 de setembro de 1923; m. em Lisboa a 16 de março de 1993)

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2016-09-12

Anjos do Céu - Álvares de Azevedo

Waves in the sea


As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz…
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d’escuma revolvem-se nus!

E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!

Que dormem, que sonham- e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!

E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam… e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!

Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Por que não consentes, num beijo de amor
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?


Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852)

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2016-09-09

Velho Motivo - António Sardinha

Soneto de Jacob, pastor antigo,
– soneto de Raquel, serrana bela...
Oh! quantas vezes o relembro e digo,
pensando em ti, como se foras Ela!

O que eu servira para viver contigo,
– tão doce, tão airosa e tão singela!
Assim, distante do teu rosto amigo,
em torturar-me a ausência se desvela!

E vou sofrendo a minha pena amarga,
– pena que não me deixa nem me larga,
bem mais cruel que a de Jacob pastor!

Raquel não era dele, e sempre a via,
enquanto que eu não vejo, noite e dia,
aquela que me tem por seu senhor!


António Maria de Sousa Sardinha (n. em Monforte, Alentejo a 9 de setembro de 1887; m. em Elvas a 10 de janeiro de 1925)

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2016-09-08

Conclusão - Isabel de Sá


Fui amante da morte
e da beleza. Vi a loucura,
acreditei na vida.
Da infância falei
como lugar de abismo.
O prazer
foi também a grande fonte
de perturbação e alegria.
Lembrei as mulheres
que recusaram submeter-se,
escrevi palavras fúnebres.

Não poupei a adolescência,
o coração magoado
e não soube que fazer
de mim fora das palavras.
Escrevi para desistir
e depender
e ter identidade.

in 'Erosão de Sentimentos'

Isabel de Sá nasceu em Esmoriz a 8 de setembro de 1951.

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2016-09-07

Crepuscular - Camilo Pessanha


Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.

As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.

Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.

As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.

CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau (China) a 1 de março de 1926.

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2016-09-06

Eternidade - Pedro Homem de Mello



Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello (n. no Porto a 6 de setembro de 1904 - m. Porto, 5 de março de 1984).

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2016-09-05

WARNINGS - Nicanor Parra

In case of fire
do not use elevators
use stairways
unless otherwise instructed

No smoking
No littering
No shitting
No radio playing
unless otherwise instructed

Please Flush Toilet
After Each Use
Except When Train
Is Standing At Station
Be Thoughtful
Of The Next Passenger

Onward Christian Soldiers
Workers of the World unite
we have nothing to loose but our life
Glory be to the Father
.............................. & to the Son
to the Holy Ghost
unless otherwise instructed

By the way
we also hold these truths to be self evident
that all man are created equal
that they have been endowed by their creator
with certain inalienable rights
that among these are Life
Liberty
......... & the pursuit of Happiness

& last but not least
that 2 + 2 makes 4
unless otherwise instructed

de Poemas para combatir la calvicie. Antología. (Santiago, 6ªed., Fondo de Cultura Económica, 1998)

Nicanor Segundo Parra Sandoval (n. San Fabián de Alico, Chile, 5 de setembro de 1914)




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2016-09-03

Nothingandall faz 12 anos!!!!

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Coração sem imagens - Raul de Carvalho

Coração sem imagens
Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

Raul Maria de Carvalho (n. em Alvito, Baixo Alentejo, a 4 de setembro de 1920; m. no Porto a 3 de setembro de 1984).

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2016-09-02

A Montanha de Cristo - Carlos Maul

Tu que trouxeste a voz consoladora
Do perdão, e de séculos distantes
Traças ao mundo a rota redentora
Que leva o amor a todos os quadrantes;

Tu que possuis as forças dominantes
Da bondade e da luz inspiradora,
És a fonte da Fé confortadora
Da intrépida vontade dos gigantes...

Descem de ti eflúvios de virtude,
Fulguração de sol que as almas banha
Na frescura da tua juventude...

O homem na terra os passos acompanha,
Altitude a fulgir noutra altitude,
Montanha culminando outra montanha...


Carlos Maul nasceu em 2 de setembro de 1887, em Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil, onde faleceu em 13 de março de 1973(*) fonte: Academia Brasileira de Poesia

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2016-09-01

Eu Quero Morrer no Mar - António Lobo Antunes

Mar - foto daqui


Olha os meus olhos morena
porque a aventura é ficar
se a minha terra é pequena
eu quero morrer no mar.

Lençóis de algas e peixes
de barcos a menear
no dia em que tu me deixes
eu quero morrer no mar

E se o negro é a tua cor
respirando devagar
depois do amor meu amor
eu quero morrer no mar.

António Lobo Anunes (m. em Lisboa a 1 de setembro de 1942)

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