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2015-11-29

Doce Amor novo meu tão bem tomado - António Ferreira


Doce Amor novo meu tão bem tomado
quando será o tão ditoso dia,
que dos enganos livre em que vivia,
me veja em ti de todo sossegado?

Quando será que, tendo triunfado
do que tão cegamente me vencia,
o mal, que tanto dantes me aprazia,
em verdadeiro bem veja mudado?

Amor doce, qu'em mim de novo crias
novo desejo, novo esp'rito e santo,
ilustrado de um novo lume raro,

guia-me àquele fim, que m'escondias,
muda esta minha noite em dia claro;
levantarei em teu nome alegre canto.

António Ferreira (Lisboa, 1528 -Lisboa, 29 de novembro de 1569)

in «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

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2015-11-26

a um rato morto encontrado num parque - Mário Cesariny

Este findou aqui sua vasta carreira
de rato vivo e escuro ante as constelações
a sua pequena medida não humilha
senão aqueles que tudo querem imenso
e só sabem pensar em termos de homem ou árvore
pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)
o milagre das patas - tão junto ao focinho! -
que afinal estavam justas, servindo muito bem
para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar
atrás de repente, quando necessário

Está pois tudo certo, ó "Deus dos cemitérios pequenos"?
Mas quem sabe quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo - com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa - e aos médicos - ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos - vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?

Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido
e agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?

Como acabar com um corpo corajoso e humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?

(Pena Capital)

Extraído de Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Um panorama
Organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Lacerda Editores, Rio de Janeiro

Mário Cesariny de Vasconcelos (n. em Lisboa a 9 de agosto de 1923; m. em Lisboa a 26 de novembro de 2006)

Ler do mesmo autor neste blog:
you are welcome to elsinore
Outra coisa
Em todas as ruas te encontro
Pastelaria
história de cão

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2015-11-25

Outro dia - Irene Lisboa

Aqui está
o camion desmantelado,
com falta de uma guarda
e três hostis pregos, curtos,
à vista...
e a guita de o puxar
atirada para trás...
Aqui está,
onde e como o deixaste,
meu afilhado.

Nasceste,
diz a tua mãe,
para ela conhecer a felicidade.
O que ela me contou, um dia,
ainda há pouco tempo,
do ditoso facto
do teu nascimento,
perturbou-me.

Guarda ela a sensação
dos primeiros gozoz
que lhe deste.
Parecia-lhe,
primeiro por te sentir viver com ela,
e depois a par dela,
perto do seu bafo,
que tudo quanto se tinha dito
do amor
andava desfigurado,
exagerado...
que nada ainda se dissera
que valesse a pena ser dito...
Amor verdadeiro,
perfeito, inteiro,
sem condições,
era o que tu, filho dela,
lhe davas a conhecer!

Eu ouvia-a, pensando:
realmente,
aquele amor, só ele!
durante meses e meses
a imunizou,
a livrou de profundos desgostos...
revestiu de poderes...
Ó doce menino!
Sentir hoje os teus bracinhos
ao meu pescoço,
os teus beijinhos na minha cara,
ouvir a tua voz, tão fresca!
e o teu assobio,
que quer initar o melro,,,
é ter grandes satisfações.

Ó ternura,
ó divina sensualidade!

Tu, afilhado,
e a tua irmãzinha,
quando em mim poisam
as boquinhas,
e quando me abraçam,
fazem-no efusivamente,
para gozar...
Sinto que com isso gozam,
tal como eu
Sensualidade divina
e correspondida
de todo, todo o amor!

Mas quando os vejo andar,
fora e dentro,
a brincar e a questionar,
parece-mem também,
que um mundo novo,
inocente e estranho,
se constrói perto do nosso;
um mundo de pássaros
ou de insectos,
agitado,
gárrulo...

Da tua irmã,
Diz várias vezes a tua mãe:
é como nós,
menos calma do que ele,
mas mais sentida
e voluntariosa...

Seres pequeninos!
Ver-vos viver
recolher,
aspirar a graça
das vossas existências,
que começam a abrir
e a tomar cor,
que se vão espiritualizando...
dá-me, quase, pena de morrer!
de vos perder!

É blasfemo, não é?
monstruoso!
invocar a morte,
pensando em vós?...

Vós que sois para mim?
Uma luz de oiro!
Uma luz que me banha,
que me cega um pouco...
um véu que se interpõe
entre mim e os outros.


Extraído de Cem Poemas Portugueses sobre a Infância - selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Irene Lisboa (n. Casal da Murzinheira, Arruda dos Vinhos, 25 de dezembro de 1892; m. Lisboa, a 25 de novembro de 1958)

Da mesma autora: Jeito de Escrever

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2015-11-24

Impressão Digital - António Gedeão



Os meus olhos são uns olhos,
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.


Quem diz escolhos, diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D.Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.



António Gedeão Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, que usou o pseudónimo de António Gedeão, n. em Lisboa a 24 de novembro de 1906; m. 19 de fevereiro de 1997)

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2015-11-23

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura - Herberto Hélder


Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

in Poesia Toda , Assírio & Alvim, 1996

Herberto Hélder, pseudónimo de Luís Bernardes de Oliveira (n. Funchal, Madeira em 23 novembro 1930).

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2015-11-20

Musical suggestion of the day: Triste Fado - Duarte




Duarte nasceu em Évora a 20 de Novembro de 1980

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2015-11-19

RETRATO IMPERFEITO - Maximiano Campos



De tanto lembrar me esqueço
e é de sonhos que construo
o que vivo e busco e mereço.
E assim recordo
do recordar a lembrança
num tempo em que criança
fui o que hoje sou cópia:
retrato velho e imperfeito
de quem quebrou todos os brinquedos.

Maximiano Accioly Campos (Recife, 19 de novembro de 1941 — Recife, 7 de agosto de 1998)

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2015-11-18

A Poesia Vai - Manuel António Pina

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

in Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde, 1974

Manuel António Pina - Prémio Camões 2011 - nasceu em 18 de novembro de 1943 no Sabugal, faleceu em 19 de outubro de 2012 no Porto.

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2015-11-17

XXV [Estamos agora em paz ] - Mário Dionísio

Estamos agora em paz
sabendo simular o esquecimento

sentados

com os olhos no vento
lá de fora atirado para antes
de nós as mãos caídas
nos joelhos mas nada suplicantes
só esvaídas

conformados
com não nos conformarmos

resignados
a esperando não esperarmos

como se tudo fosse um imenso tanto faz

in Terceira Idade, 1982

Mário Dionísio (n. Lisboa, 16 de julho de 1916 — m. Lisboa, 17 de novembro de 1993)

Do mesmo autor:
Arte Poética
Para ser lido mais tarde
Depois de Mim
Deitei agora mesmo o açúcar no cinzeiro
Complicação

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2015-11-16

A Ti - Alberto de Oliveira


Como o sol nasce do monte
E todo o vale alumia,
Assim no meu horizonte
Nasceu teu olhar, um dia.

Nessa manhã cor-de-rosa,
Que dos teus olhos saía,
Tua voz melodiosa
Foi a voz da cotovia.

E logo na minha mágoa,
Neste canteiro sem flor,
Brotou, qual nascente de água,
O teu amor, meu Amor!

Então fez sol deslumbrante
Nos dias da minha vida:
Já não era a luz distante,
Já não a fonte escondida.

Nuvens, tormentas e dores,
Que enchiam meu coração,
Tudo se cobriu de flores,
A esse divino clarão!

E à luz que os teus olhos deram,
Como faróis redentores,
Mundos no mundo nasceram,
Do amor brotaram amores.

Três aves no nosso ninho
O enchem de um fulgor sagrado:
Já não és o sol sozinho,
Fizeste o céu estrelado!

Deus te proteja e te guarde,
Minha Mulher, minha Irmã,
Ó minha Estrela da Tarde,
Minha Estrela da Manhã!

Alberto de Oliveira nasceu no Porto a 16 de novembro de 1873 e aí se finou a 23 de abril de 1940

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2015-11-15

Fundação da Ilha - Jorge de Lima

I

Um barão assinalado
sem brasão, sem gume e fama
cumpre apenas o seu fado:
amar, louvar sua dama,
dia e noite navegar,
que é de aquém e de além-mar
a ilha que busca e amor que ama.

Nobre apenas de memórias,
vai lembrando de seus dias,
dias que são as histórias,
histórias que são porfias
de passados e futuros,
naufrágios e outros apuros,
descobertas e alegrias.

Alegrias descobertas
ou mesmo achadas, lá vão
a todas as naus alertas
de vaia mastreação,
mastros que apóiam caminhos
a países de outros vinhos.
Está é a ébria embarcação.

Barão ébrio, mas barão,
de manchas condecorado;
entre o mar, o céu e o chão
fala sem ser escutado
a peixes, homens e aves,
bocas e bicos, com chaves,
e ele sem chaves na mão.


II

A ilha ninguém achou
porque todos o sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.

Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.

Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Nem achada e nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.

Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.

Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.

Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!

Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?


III

E depois das infensas geografias
e do vento indo e vindo nos rosais
e das pedras dormidas e das ramas
e das aves nos ninhos intencionais
e dos sumos maduros e das chuvas
e das coisas contidas nessas coisas
refletidas nas faces dos espelhos
sete vezes por sete renegados,
reinventamos o mar com seus colombos,
e columbas revoando sobre as ondas,
e as ondas envolvendo o peixe, e o peixe
(ó misterioso ser assinalado),
com linguagem dos livros ignorada;
reinventamos o mar para essa ilha
que possui “cabos-não” a ser dobrados
e terras e brasis com boa aguada
para as naves que vão para o oriente.

E demos esse mar às travessias,
e aos mapas-múndi sempre inacabados;
e criamos o convés e o marinheiro
e em torno ao marinheiro a lenda esquiva
que ele quer povoar com seus selvagens.

Empreendemos com a ajuda dos acasos
as travessias nunca projetadas,
sem roteiros, sem mapas e astrolábios
e sem carta a El-Rei contando a viagem.
Bastam velas e dados de jogar
e o salitre nas vigas e o agiológio,
e a fé ardendo em claro, nas bandeiras.
O mais: A meia quilha entre os naufrágios
que tão bastantes varram os pavores.
O mais: Esse farol com o feixe largo
que tão unido varre a embarcação.
Eis o mar: era morto e renasceu.
Eis o mar: era pródigo e o encontrei.
Sua voz? Ó que voz convalescida!
Que lamúrias tão fortes nessas gáveas!
Que coqueiros gemendo em suas palmas!
Que chegar de luares e de redes!

Contemos uma história. Mas que história?
A história mal-dormida de uma viagem.

in Invenção de Orfeu

Jorge Matheus de Lima (n. em União de Palmares, Alagoas a 23 de abril de 1893, m. no Rio de Janeiro a 15 de novembro de 1953)

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2015-11-13

Percorro-te - Maria Aurora

Percorro-te
A língua de cetim
A prolongar o êxtase
As mãos de seda
No rio do teu corpo.
Afloro a nascente:
E num grito
Todo tu és torrente.

É tarde, meu amor
É muito tarde.
O tempo implacável me consome
E destrói o vigor do corpo moço:
Apagou o fulgor do meu olhar
Roubou a altivez do seio cheio
Secou o rio manso do meu ventre
Cobriu de pergaminho a minha mão
É tarde, muito tarde
Mas… por dentro
Ainda bate, por ti, o coração.

(in Discurso Amoroso, Porto 2006)

Aurora Augusta Figueiredo de Carvalho Homem que usou o pseudónimo literário de Maria Aurora, nasceu a 13 de novembro de 1937 em Sátão, morreu no Funchal a 11 de junho de 2010.

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2015-11-12

Musical suggestion of the day: Os Clandestinos do Amor - Ana Moura

Inebriante: "Enquanto olhares para mim eu sou eterna. Estou viva enquanto ouvir a tua voz. Contigo não há frio nem Inverno e a música que ouvimos vem de nós...».

Música do filme. "Os gatos não têm vertigens"



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Nihil obstat III - Bruno Tolentino

É preciso que a música aparente
no vaso harmonizado pelo oleiro
seja perfeitamente consistente
com o gesto interior, seu companheiro
e fazedor: o vaso encerra o cheiro
e os ritmos da terra e da semente,
porque antes de ser forma foi primeiro
humildade de barro paciente.
Deus, que concebe o cântaro e o separa
da argila lentamente, foi fazendo
do meu aprendizado o Seu compêndio
de opacidades cada vez mais claras,
e com silêncios sempre mais esplêndidos
foi limando, aguçando o que escutara.

in Os Deuses de Hoje (1995)

Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino (Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1940 — São Paulo, 27 de junho de 2007)

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2015-11-11

Vírgula - António Maria Lisboa

Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida. Mais
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como frágil véu que nos separa vedados e proibidos.

in Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Um Panorama
Organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Lacerda Editores, Rio de Janeiro

António Maria Lisboa (nasceu em Lisboa, 1 de agosto de 1928 — m. Lisboa, 11 de novembro de 1953)

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Dia de São Martinho. hoje comem-se as castanhas e prova-se o vinho

Castanhas e jeropiga imagem daqui

* No dia de S. Martinho comem-se as castanhas e prova-se o vinho
* No dia de S. Martinho vai-se à adega e prova-se o vinho.
* No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.

São aforismos populares relacionados com o Dia de São Martinho que hoje se vive. Vamos lá então comer uma boa castanha assada e um copo de jeropiga para ajudar a disfarçar a crise...

Certamente isso ocorrerá com maior assiduidade nos concelhos de Meda, Penafiel e Torres Vedras onde hoje se verifica o Feriado Municipal.

Hoje 11 de Novembro celebra-se também o final da I Guerra Mundial, ocorrido há 97 anos com a assinatura do armistício. A guerra oficialmente terminaria às 11 horas do dia 11 de Novembro! Afinal o número 11 «figura da transgressão da lei e também dos pecadores», teve aqui um papel de paz e bonança.

Mas neste dia há muitas mais efemérides desde o nascimento de D. Sancho I em 1154, passando pela morte de António Maria Lisboa, poeta surrealista, em 1953 e a de Yasser Arafat em 2004. Pode ver (quase) tudo aqui.

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2015-11-10

Tome Nota - Torquato Neto

Tome nota
por todas as ruas
onde ando sozinho
eu ando sozinho
com você
e você
se é que se lembra
(se lembra)
olha assim pra mim
como capa de revista
pelo rabo-do-olho
de artista,
e sorri.
Eu acho tudo muito legal
Mas a verdade
É que o nome normal disso aí
É :
s-a-u-d-a-d-e;
pois bem:
sei que vou sozinho
sei que vou também sozinho
mas acontece
que parece
que você
é como se é que fosse
o próprio caminho

Torquato Pereira de Araújo Neto nasceu a 9 de novembro de 1944, em Teresina, Piauí, Brasil; faleceu a 10 de novembro de 1972, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

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2015-11-09

Mulher ao Espelho - Cecília Meireles

Mulher de Espelho 70x90
Óleo sobre tela by Akaki

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira,
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

Cecília Benevides de Carvalho Meireles(n. no Rio de Janeiro a 7 de novembro de 1901 — m. no Rio de Janeiro, a 9 de novembro de 1964).

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2015-11-08

Vou Morrendo Devagar - Domingos Caldas Barbosa


Eu sei, cruel, que tu gostas,
Sim gostas de me matar;
Morro, e por dar-te mais gosto,
Vou morrendo de vagar:

Eu gosto morrer por ti;
Tu gostas ver-me expirar;
Como isto é morte de gosto,
Vou morrendo de vagar:

Amor nos uniu em vida,
Na morte nos quer juntar;
Eu, para ver como morres,
Vou morrendo de vagar:

Perder a vida é perder-te;
Não tenho que me apressar;
Como te perco morrendo,
Vou morrendo de vagar:

O veneno do ciúme
Já principia a lavrar;
Entre pungentes suspeitas,
Vou morrendo de vagar:

Já me vai calando as veias
Teu veneno de agradar;
E gostando eu de morrer,
Vou morrendo de vagar:

Quando não vejo os teus olhos,
Sinto-me então expirar;
Sustentado d'esperanças,
Vou morrendo de vagar:

Os Ciúmes, e as Saudades
Cruel morte me vêm dar;
Eu vou morrendo aos pedaços,
Vou morrendo de vagar:

É feliz entre as desgraças,
Quem logo pode acabar;
Eu, por ser mais desgraçado,
Vou morrendo de vagar:

A morte, enfim, vem prender-me,
Já lhe não posso escapar;
Mas abrigado a teu Nome,
Vou morrendo de vagar.

Domingos Caldas Barbosa nasceu no Rio de Janeiro c. 1740, morreu em Coimbra a 8 de novembro de 1800)

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2015-11-07

As Penas - Fernando Caldeira (na voz de Amália Rodrigues)



Como diferem das minhas,
As penas das avezinhas,
De leves levam ao ar!
As minhas pesam-me tanto,
Que às vezes, já nem o pranto
Lhes alivia o pesar!

Os passarinhos têm penas,
Que as lindas tardes amenas
Os levam por esses montes!
De colina em colina,
Ou pela extensa campina
A descobrir horizontes!

São bem felizes as aves
Como são leves, suaves,
As penas que Deus lhes deu!
As minhas pesam-me tanto,
Ai, se tu soubesses quanto,
Sabe Deus e sei-o eu!


Letra: Fernando Caldeira (às vezes indevidamente atribuído a Guerra Junqueiro)
Fernando Afonso Geraldes Caldeira (n. em Águeda a 7 de novembro de 1841; m. em Lisboa a 2 de abril 1894)

Ler do mesmo autor neste blog: Fases da Vida

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Adormecer - Fernando Semana

Espero de manhã
que a tarde flua.
À tarde, que venha
Depressa a noite,
A alva lua
Alvoreça

O ciclo é um rodopio...

Espero do negro pássaro
o grito do silêncio
Anunciar o fugaz momento
Em que nada se suceda
E ledo, quedo
Adormeça.

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2015-11-06

Os Pássaros - Sophia de Mello Breyner Andresen



Ouve que estranhos pássaros de noite
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo,
Falam-se de noite, trazem
Dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas.

in Coral (1950)

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de novembro de 1919; m. Lisboa, 2 de julho de 2004. Recebeu entre outros o Prémio Camões 1999, o Prémio de Poesia Max Jakob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana 2003.

Ler da mesma autoria, neste blog:
Espero
Tarde
Pátria
Partida
Espera
A Forma Justa
Apolo Musageta
Eis-me
Mar Sonoro
Porque
Promessa
Liberdade
Soneto
Pudesse eu

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2015-11-05

A Cabeleira da Musa - Sosígenes Costa



No teu cabelo há tardes outonais
amarelando o rio e os arvoredos.
Há cidades de mármores e rochedos
de açúcar-candi, bronzes e cristais.

No teu cabelo rútilo há milhões
de abelhas roxas fabricando favos
para o mel que roubam dos craveiros bravos
dos jardins levantinos de anões.

No teu cabelo há trêmulos trigais
de espigas fulvas e há gentis vinhedos
que molhas de perfume com teus dedos
com trinta anéis de pérola ovais.

No teu cabelo se abrem dos pavões
as estreladas caudas, dentre as rosas.
E brilham nela as pedras preciosas:
rubis, safiras, sárdios, cabuchões.

Nele há brondões, revérberos, fanais.
Pois isso atrai cornígeros besouros.
Por isso pombas e canários louros,
sempre de noite, feiticeira atrai.

No teu cabelo há reinos de sultões.
Teu cabelo relumbra como uns matos
cheio de olhos fosfóricos de gatos
e de escamas de fogo dos dragões.

Na tua cabeleira há catedrais.
No teu cabelo rola e ferve estranha
cascata de falerno e de champanha
por entre alabastrinos jasminais.

No teu cabelo vive uma serpente
que descasca por hora uma imponente
pele conteúdo bíblica signais.

No teu divino e esplêndido cabelo
rugem tigres de azul-celeste pêlo
e de unhas de ouro, lúcidas, fatais.

No teu cabelo. Musa Helena e saiba,
queimam-se incenso e nardo azul da Arábia
e outras sortes e espécies aromais.

No teu cabelo há um céu com muitas luas
iluminando cem mulheres nuas
que se banham num lago entre juncais.

No teu cabelo há sílfides e bruxos
dançando dentro dos jorros de repuxos
e há templos de âmbar louro e há muito mais:

Há globos de ouro e estames de açucenas
e cem faisões de prateadas penas,
- Filha do sol, princesa dos corais!

Sosígenes Costa (n. em Belmonte BA, 11 novembro1901 - m. no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de novembro de 1968).

Ler do mesmo autor:
Duas Festas no Mar
Chuva de Ouro
O Pavão Vermelho
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2015-11-04

Coração, Olha o que Queres - Francisco Rodrigues Lobo


MOTE

Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

VOLTAS

Tão tirana e desigual
Sustentam sempre a vontade,
Que a quem lhes quer de verdade
Confessam que querem mal;
Se Amor para elas não val,
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

Se alguma tem afeição
Há-de ser a quem lha nega,
Porque nenhuma se entrega
Fora desta condição;
Não lhe queiras, coração,
E senão, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

São tais, que é melhor partido
Para obrigá-las e tê-las,
Ir sempre fugindo delas,
Que andar por elas perdido;
E pois o tens conhecido,
Coração, que mais lhe queres?
Que, em fim, todas as mulheres!

Francisco Rodrigues Lobo (Nascimento: 1580, Leiria; Falecimento: 4 de novembro de 1621, Lisboa)

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Rachel de Queiroz

“Eu nunca fui uma moça bem-comportada. Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. Não estou aqui pra que gostem de mim. Estou aqui pra aprender a gostar de cada detalhe que tenho.”

Rachel de Queiroz (Fortaleza, 17 de novembro de 1910 — Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2003)

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2015-11-03

Canção do Exílio - Gonçalves Dias


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Antonio Gonçalves Dias (n. Caxias, Maranhão, 10 Ago. 1823; m. 3 Nov. 1864)

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2015-11-02

Fidelidade - Jorge de Sena


Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como só a presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?

Diz-me asim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.

Jorge Cândido de Sena(n. em Lisboa a 2 de novembro de 1919; m. em Santa Bárbara, Califórnia a 4 de junho de 1978)

Extraído de Poemas de Amor, Antologia de poesia portuguesa, Organização e prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote

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