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2016-05-31

AUTORETRATO - Walflan de Queiroz


a Luís Carlos Guimarães

Não tenho a beleza de Rimbaud, nem o rosto torturado de Baudelaire.
Tenho sim, olhos negros, negros como os de Poe.
Meus cabelos são soltos, em desalinho
Como os de algum anjo ou demônio.
Minha pele, queimada eternamente pelo sol, tem o sal do mar
E a cor morena dos que são náufragos.
Minhas mãos são pequenas, tristes embora,
Como as mãos de alguém que só as estendeu para o adeus.

in O Tempo da Solidão, 1960

Francisco Walflan Furtado de Queiroz (1930-1995) nasceu em São Miguel, no Rio Grande do Norte; faleceu no dia 13 de agosto de 1995)

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2016-05-30

Soneto: Que suspensão, que enleio, que cuidado - Soror Violante do Céu

Que suspensão, que enleio, que cuidado
É este meu, tirano Cupido?
Pois tirando-me enfim todo o sentido
Me deixa o sentimento duplicado.

Absorta no rigor de um duro fado,
Tanto de meus sentidos me divido,
Que tenho só de vida o bem sentido
E tenho já de morte o mal logrado.

Enlevo-me no dano que me ofende,
Suspendo-me na causa de meu pranto
Mas meu mal (ai de mim!) não se suspende.

Ó cesse, cesse, amor, tão raro encanto
Que para que de ti não se defende
Basta menos rigor, não rigor tanto.


in Cem Poemas Portugueses no Feminino
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria
Terramar

Violante do Céu (Sóror), ou Violante do Ceo, nascida Violante Montesino (nasceu em Lisboa a 30 de maio de 1601 ou 1607 - m. 28 de janeiro de 1693)

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2016-05-27

Cigarra - Luís Veiga Leitão

Esta não é filha do sol
com pernas e pés de marinheiros
subindo às árvores das herdades.
Esta é preciso ouvi-la dias inteiros
aquém das grades.

Esta
não chama para os campos doirados
onde o canto é livre e aquece, morno.
Mas para silêncios hirtos e cerrados
com fardas e armas em torno.

Desde o sinal das auroras
até à noite que plange
amortalhando as horas,
seu canto não canta, range…

Ó cigarra das torvas claridades!

Seus cantos só pode cantá-los
a boca de pedra e dentes ralos
do ferro nas grades.

Luís Maria Leitão, mais conhecido pelo pseudónimo de Luís Veiga Leitão. nasceu em Moimenta da Beira, 27 de maio de 1912 — m. Niterói, 9 de outubro de 1987.

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Na passagem do 53º aniversário do desaparecimento de Aquilino Ribeiro

Aquilino Gomes Ribeiro, ficcionista, autor dramático, cronista e ensaísta, nasceu em Sernancelhe, na Beira Alta, a 13 de setembro de 1885. É considerado por alguns como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Inicia a sua obra em 1907 com o folhetim "A Filha do Jardineiro" e depois em 1913 com os contos Jardim das Tormentas e com o romance A Via Sinuosa, 1918. Mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos, publicados com regularidade e êxito junto do público e da crítica.

De entre os numerosos títulos que Aquilino publicou, merecem especial destaque Terras do Demo (1919), O Malhadinhas (primeira versão em 1922), Andam Faunos pelos Bosques (1926), O Romance da Raposa (1929), Cinco Réis de Gente (1948), A Casa Grande de Romarigães (1957) e Quando os Lobos Uivam (1959).

Faleceu em Lisboa, a 27 de maio de 1963. Passados 44 anos da sua morte, em Setembro de 2007, os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional.

"Alcança quem não cansa", diz o ex-libris de Aquilino Ribeiro.

Dele escreveu Fernando Namora (in Diário de Lisboa, de 7 de março de 1963):

Qual então o segredo de Aquilino, um escritor já emoldurado na galeria da história literária, ao lado dos três maiores, e ao mesmo tempo, ainda a bater-se nas frentes mais aguerridas, tão indócil e imprevisto e bravo como os que o são? O talento e a vitalidade decerto não bastam. Nem o húmus quente, fecundo, prodigioso, da sua voz. Para mim, a actualidade sempre rejuvenescida e pujante de Aquilino tem, além daquelas raízes, outras não menos decisivas: por um lado, é um escritor que não aceita as regalias confortáveis mas esterilizantes dos galões conquistados; conquista-os de cada vez que entra na liça, põe nesse repto entre o artista e a criação o mesmo ardor da primeira mensagem; cada livro seu tem o sangue tumultuoso de uma experiência nova; por outro lado, se houve escritor que apreendeu e se fundiu no que existe de veraz, de insólito, de grandioso, de terrível e comovente na gente e na terra portuguesa, se houve escritor que nos revelou tudo isso com uma expressão autêntica – foi e é Aquilino. A sua obra é o testemunho de um povo.


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2016-05-26

A ÁRVORE - Fábio Montenegro

Hirta, negra, espectral, chora talvez. Responde
Seu próprio choro, à voz do vento que a fustiga,
Ela que ao sol floriu, floriu às chuvas, onde
A paz é santa, o campo é doce, a noite é amiga ...

Essa que esconde a chaga, essa que a história esconde,
Que conhece a bonança e a borrasca inimiga,
já foi flor, foi semente, e, sendo arbusto, a fronde
Ergueu para a amplidão às aves e à cantiga.

Que infinita tristeza o fim da vida encerra
A quem já pompeou do Sol na própria luz.
As flores para o céu e a sombra para a terra!

Foi semente, brotou... Árvore transformada,
Sorriu em cada flor; e hoje, de galhos nus,
Velha, aguarda a tortura estúpida do nada!


Fábio Montenegro nasceu em Santos, SP a 26 de maio de 1891 e faleceu a 21 de agosto de 1920.

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2016-05-25

Unicepe faz o lançamento do livro "Obra poética" de Maria Virgínia Monteiro

No dia em que a poeta celebra o 85º aniversário, a Unicepe faz o lançamento do livro "Obra poética" de Maria Virgínia Monteiro, que contém os 13 livros publicado entre 1992 e 2014:

Mulher de Loth
...ribeiro, teu indício
O Silêncio Todo.
as cinzas e as brisas
...Ce Quelques Lettres Portugaises
Precário Registo
As Palavras, Este Canto, Este Rio
Poemas Imperfeitos
som in/verso
...nesta luz que a tarde esfria
Longo é o Tempo
Voz Submersa
Canto Quântico

A poeta dirá alguns dos seus poemas e outros serão cantados por Ivo Machado.

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SONETO [Duas almas que tarde se encontraram ] - Júlio Dantas



Duas almas que tarde se encontraram,
Como as nossas, meu bem, e tantas mais,
Porque modo se tornaram tão iguais
Se em tão diversos meios se criaram?

Umas em berço de ouro as embalaram,
Às outras a erva fez berços rurais:
E sendo de princípio desiguais,
Depois tão semelhantes se tornaram.

Há bem pouco prendemos nossas vidas,
Já cuidas de meu bem como teu bem,
Já meu mal de agora vais sofrendo:

E as nossas almas tão parecidas,
Como essas duas lágrimas que vêm
Por tuas faces de âmbar escorrendo.

"Nada" (1896), in Líricas Portuguesas

Júlio Dantas (Lagos, 19 de maio de 1876 — Lisboa, 25 de maio de 1962)

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Musical selection of the day: Lauryn Hill - Can't Take My Eyes Off Of You


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Lauryn Noel Hill (South Orange, New Jersey, USA, 26 de maio de 1975)

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2016-05-24

CANÇÃO SOBRE O MESMO TEMA ANTIGO - João Alphonsus


Eram cinco donzelas.
Queriam todas me adorar.
Mas não adorei nenhuma delas.
Oh, elas
Queriam todas me adorar.

Eram cinco donzelas.
Queriam todas me abraçar.
Mas não abracei nenhuma delas.
Oh, elas
Queriam todas me abraçar.

Eram cinco donzelas.
Queriam todas me beijar.
Não beijei nenhuma delas,
Oh, elas
Queriam todas me beijar.

Eram cinco donzelas.
Queriam todas me matar.
Mas não matei nenhuma delas,
Oh, elas
Queriam todas me matar.

Eram cinco donzelas.
Queriam todas me desprezar.
Mas eu amei a todas elas,
Oh, elas
Queriam todas me desprezar.

Poema extraído daqui

João Alphonsus de Guimaraens n. em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais a 6 de abril e faleceu em 24 de maio de 1944 (Foi o terceiro filho do grande poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens).

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2016-05-23

Vida - Augusto Branco

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.

Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).

Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!

Nazareno Vieira de Souza, que usa o pseudónimo de Augusto Branco, nasceu em Porto Velho, Rondônia, Brasil a 23 de maio de 1980

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2016-05-21

EXORTAÇÃO AO HOMEM PRÁTICO - Filgueiras Lima



Homem prático,
que passas correndo pela rua,
contém o passo - que o teu esforço é inútil.
Olha que eu sigo ao teu lado,
calmo, sereno, devagar,
com os olhos cheios de paisagens,
os ouvidos bêbedos de música,
e a mente enflorada de sonhos...

Vê bem: por mais que te apresses,
por mais que avances,
nunca me vencerás nesta corrida.
Bem sei que és forte - mas eu também sou forte!
Depois, só há um ponto de partida: a Vida.
Só existe um ponto de chegada: a Morte.

E enfim, sobre o caminho percorrido,
tu, homem prático, deixarás apenas
o pó que levantaste do solo
com as tuas passadas estrepitantes.

É eu? Ah! eu deixarei pouco de mim mesmo
sobre os cardos,
sobre as pedras,
para tornar mais suave a caminhada
dos que vierem depois de mim...

Antônio Filgueiras Lima (Lavras da Mangabeira, Ceará, Brasil, 21 de maio de 1909 - Fortaleza, Ceará, Brasil, 28 de setembro de 1965)

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2016-05-20

Segredo - Maria Teresa Horta

Naked woman

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

in Cem Poemas Portugueses no Feminino, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Maria Teresa Horta (nasceu em Lisboa a 20 de Maio de 1937)

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2016-05-19

Divagações III - Fernando Semana


O peixe sulca a água mexendo alegremente as barbatanas
A criança, com a testa encostada ao vidro, imerge...
Quando soa - e todo o equilíbrio do mundo se transforma - :
"Oh peixinho vermelho, como vieste aqui parar?"
O peixe inquieta-se, pelo seu infortúnio ou por não ter memória
A criança não se apercebe do efeito das perguntas simples
E corre em direcção da mãe… para outra pergunta incómoda.

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...Quand on ne s'aime plus - Julio Dantas (na passagem dos 140 anos do nascimento)

Ponto final. Adeus. Tinha previsto o fim.
Quiz muito, quiz demais... O culpado fui eu.
Se é que póde morrer o que nunca viveu,
Sinto que morreu hoje o teu amor por mim.

Fiz mal em vir? Talvez. Quizeste vêr-me: vim.
Que placidez a tua e que sorriso o teu!
Amor que raciocina é amor que morreu.
Pode lá nunca amar quem se domina assim!

Tinha de ser. Adeus. Deixas-me triste e doente.
Depois, qual é o amor que vive eternamente?
Tudo envelhece, e passa, e morre como tu.

Nunca mais me verás. É a vida, afinal.
Dá-me o ultimo beijo e não me queiras mal...
Il faut rompre en pleurant quand on ne s'aime plus.


manteve-se a grafia constante da publicação
in Revista ATLANTIDA, Nº. 1, 15 de Novembro de 1915, Lisboa

Júlio Dantas (Lagos, 19 de maio de 1876 — Lisboa, 25 de maio de 1962)

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2016-05-17

CHAFARIZ - José Emílio-Nelson


Peixinhos da cinta aos pés
Num chafariz até ao umbigo.
E vermelhinhos
Nadam na sua doçura para o aquário cristalino. E tanto faz
Se depois são enxugados com pano cardinalício
Ou cinza de incensário.

José Emílio de Oliveira Marmelo e Silva, que usa o pseudónimo de José Emílio-Nélson, nasceu em Espinho, em 17 de maio de 1948

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2016-05-13

Saudade - Raimundo Correia

A Henrique de Magalhães


Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...

Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos...

Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

E em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...

in Cinco Séculos de Poesia, Antologia da Poesia Clássica Brasileira, Selecção e Introdução de Frederico Barbosa, Landy Editora

Raimundo da Mota de Azevedo Correia (nasceu a bordo, no litoral do Maranhão, a 13 de maio de 1859 e faleceu em Paris a 13 de setembro de 1911)

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2016-05-12

Imitação de Botticelli - Alberto da Costa e Silva

A Primavera (205 cm x 314 cm) - Sandro Boticelli.


Como a luz numa caixa de laranjas,
ou a chuva sobre a mesa de verduras no mercado,
desce a manhã neste jardim, descalça,

e as flores que traz, na involuntária beleza,
parecem, contra seu corpo de verão enfunado,
musgo, limo, ferrugem, as feridas que os pássaros

abrem na casca lisa e perfeita de um fruto.

Alberto Vasconcellos da Costa e Silva - Prémio Camões 2014 - nasceu em São Paulo, SP, Brasil em 12 de maio de 1931

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2016-05-11

Mote e glosa - Soror Madalena da Glória


Como dá vida o que mata,
Como o que consome, alenta.

Já que morro, ingrata sorte,
Às mãos da tua porfia,
Deixa-me inquirir um dia
A causa da minha morte:
Se amor com impulso forte
Me rendeu, como me aparta
Do bem, que na alma retrata
Minha doce saudade,
Que em lágrimas persuade,
Como dá vida o que mata.

Nesta aflição importuna,
Em que meu coração passa,
Tudo é rigor que trespassa,
Nada golpe que desuna:
Que infausta a minha fortuna
Um bem, que me representa,
Cruel da vista me ausenta,
E não sabe a minha dor
Definir em tal rigor
Como o que consome, alenta.

in Cem Poemas Portugueses no Feminino
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria
Terramar

Maria Madalena Eufémia da Glória, escritora portuguesa que os contemporâneos chamaram "fénix dos engenhos", nasceu em Sintra a 11 de maio de 1672; f. data desconhecida.

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2016-05-10

Acordar na Rua do Mundo - Luiza Neto Jorge

madrugada. passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos.
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia é hoje?
soa o sino sólido as horas. os pombos
alisam as penas. no meu quarto cai o pó.

um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

sirenes e buzinas. ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu. estragou-se o alarme
da joalharia. os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam

o azul dos azulejos. assoma à janela
quem acordou. o alarme não pára o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
não gravou

e duma varanda um pingo cai
de uma vaso salpicando o fato do bancário

(A Lume, 1989)

Extraído de Poemas Portuguesas Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Luiza Neto Jorge nasceu a 10 de Maio de 1939 em Lisboa, onde faleceu a 23 de Fevereiro de 1989.

Ler da mesma autora, neste blog:
Nas Cidades do Sul
Baixo-Relevo
Desinferno II
Minibiografia
As casas vieram de noite
O poema ensina a cair
Magnólia
Ritual
Poemas para a noite invariável - IV
Anos Quarenta, os Meus
Nas Cidades do Sul
Baixo-Relevo

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2016-05-09

O Cão de Pompeia - Lucian Blaga


Eu vi em Pompeia aquele cão romano.
Assim o quiseram as Deusas da sorte:
Um molde guardado na massa da morte,
Que o não apodreça nem chuva, nem ano.

Escapara à nuvem da porta, correndo
À noite caída do monte co'o fogo.
Porém, sobre si dando volta, foi logo
Extinguir-se a rosnar e em cinza mordendo.

Mas - chumbo e cinza e nuvem - Senhor,
Vos vejo, até mim pela porta irrompendo,
Do monte dos céus, com ar devastador.

Só escapo até à saída. E após,
A cinza do mundo, em Vós vou mordendo,
E guardo este molde p'ra sempre em Vós

Trad. de Doina Zugravescu

in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Lucian Blaga nasceu a 9 de maio de 1895, em Lancrăm, lângă Sebeș, comitatul Sibiu; faleceu a 6 de maio de 1961, em Cluj-Napoca, Roménia

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2016-05-08

No Tempo das Cerejas - Maria de Lourdes Carvalho (na voz de Gonçalo Salgueiro)




Que estranha forma ousou Deus
Em dar aos sentidos meus
Um sabor inesperado;
Cerejas, recordo bem
Dizias tu, minha mãe
Ser meu tempo chegado

Parei à beira dum rio
Onde já não sinto frio
Nem vontade de o cruzar
Foi o tempo em que a vida
Toda ela era sentida
Sob a luz do teu olhar

Cantando, fui mais além
Eu fui eu, eu sou alguém
Nos versos da minha vida
Trouxe fados nos sentidos
Lágrimas em sonhos perdidos
Numa eterna despedida

P'ra mim foi sempre assim
Tudo começa no fim
Onde quer que me vejas
Pensando partir, fiquei
Presa ao tempo em que me dei
Recordando essas cerejas

Maria de Lourdes Carvalho nasceu na freguesia da Lomba, concelho de Amarante em 8 de maio de 1950

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2016-05-06

Uma Troca Simples de Mãos Para Que a Melodia Vingue - Amadeu Baptista

Uma troca simples de mãos para que a melodia vingue
no andamento em que nos reconhecemos.
Uma fracção de tempo, um disparo
para que se entreteçam as pedras, os blocos de fogo.

Hoje disponho o mar ante os teus olhos, a tempestade,
a crueza sistemática das coisas, essa chuva que arde
neste efémero instante
que corta a costa, a barra, o farol.

De onde venho? Correspondo a que uivo
nesta solidão entre o abismo e coisa nenhuma?

in 366 POEMAS QUE FALAM DE AMOR, Antologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal

Amadeu Baptista nasceu no Porto a 6 de maio de 1953.

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2016-05-05

Soneto Impróprio - Fernando Semana


Saudade enternecida me atormenta
Do teu mavioso olhar na despedida,
Dos sons dos sapatos em passada lenta,
Mais do que da tua silhueta despida…

Porque permanecem momentos subtis
E fenecem outros mais extremos de altos
E baixos? São ermos os pensamentos vis:
Nascemos, morremos, somos intervalos!

Não me conforta a consolação do verso
Mostrar que a rítmica não desfalece
Se em mim a esperança se desvanece
De ouvir teus passos apressados de regresso

Do mote da minha vida: esta ambição
Faz o impróprio soneto confissão.

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o peixe e o sol - Jaime Salazar Sampaio



dizia o peixe: - como é bom percorrer as águas.
o sol dizia: - faz tanto calor!
peixe e sol sabiam que a vida é bela e absurda.

in O Viajante Imóvel, Plátano Editora, 1979

Jaime Salazar Sampaio - (Lisboa, 5 de maio de 1925 – 13 de abril de 2010)

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2016-05-04

Lago - Branquinho da Fonseca



Com duas tábuas fiz
O barco onde navego
E onde sou tão feliz
Que nunca chego...

Vou sonhando e cantando,
Tão alto, que não sei se o mar e o céu vão bons
Ou se vão mal...

Só quero ir sempre andando
E reparando
Nas diferenças
Da paisagem sempre igual...

António José Branquinho da Fonseca (Mortágua, 4 de maio de 1905 – Cascais, 7 de maio de 1974)

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2016-05-03

Alice - Francisco Serra Azul

... Enfim não houve céu que eu não subisse,
Campos de flores que eu não percorresse,
Mares e abismos a que eu não descesse,
A ver se achava o que imitava Alice.

Cheguei ao mar e a pérola me disse:
"Quem sou eu? Ah! Se tal me parecesse!"
Nem houve flor que inveja não tivesse,
Nem estrela que ciúme não sentisse.

E na jornada espiritual que à face
De tudo andei, ninguém achei que fosse
Digno de que com ela eu comparasse.

Não encontrei, nem encontrei quem visse
Formosura no mundo como a doce,
Cheia de graça e angélica Alice.

Francisco Henrique Leite (Francisco Leite Serra Azul), nasceu em Aurora, Ceará, no dia 3 de maio de 1893; m. em Fortaleza 1983).

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2016-05-02

Atração e Repulsão - Adelino Fontoura




Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui té junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.

Adelino da Fontoura Chaves (n. em Axixá, Maranhão, Brasil, em 30 de março de 1859; m. em Lisboa, Portugal, a 02 de maio de 1884).

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