A ROSA - Alexandre Herculano
Pura em sua inocência,
Entre a sarça espinhosa,
Purpúrea esplende, inda botão intacto,
Na madrugada a rosa.
É da campina a virgem
A pudibunda flor;
Em seus eflúvios matutina brisa
Bebe o primeiro amor.
O sol inunda as veigas:
Calou-se o rouxinol;
E a flor, ébria de glória, à luz fervente,
Desabrochou-a o sol.
O sopro matutino
No seio seu pousara:
Prostituída à luz, fugiu-lhe a brisa,
Que a linda rosa amara.
Bela se ostenta um dia;
Saúdam-na as pastoras;
Dão-lhe mil beijos, gorgeando, as aves;
Voam do gozo as horas.
Lá vem chegando a noite,
E ela empalideceu:
Incessante prazer mirrou-lhe a seiva;
A rosa emmurcheceu.
Desce o tufão dos montes,
Os matos sacudindo;
Desfalecida a flor desprende as folhas,
Que o vento vai sumindo.
Onde estará a rosa,
Do prado a bela filha?
O tufão, que espalhou seus frágeis restos,
Passou: não deixou trilha.
Da sarça a flor virente
Nasceu, gozou, e é morta:
E a qual desses amantes de um momento
Seu fado escuro importa?
Nenhum, nenhum por ela
Gemeu saudoso à tarde;
Não há quem junte as derramadas folhas,
Quem amoroso as guarde.
Só da manhã o sopro,
Passando no outro dia,
Da rosa, que adorou, quando a inocência
Em seu botão sorria,
Junto do tronco humilde
O curso demorando,
Veio depositar perdão, saudade,
Queixoso sussurrando.
De quantas és a imagem,
Oh desgraçada flor!
Quantos perdões sobre um sepulcro abjecto
Tem murmurado o amor!
in Os dias do do Amor, um poema para cada dia do ano; recolha, selecção e organização de Inês Ramos, prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, Ministério dos Livros, 2009
Alexandre Herculano de Carvalho Araújo (nasceu em Lisboa, a 28 de março de 1810; m. em Vale de Lobos, próximo de Santarém a 13 de setembro de 1877).
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