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2014-02-11

As Túlipas - Sylvia Plath


As túlipas são demasiado sensíveis; é inverno aqui.
Vê como tudo está branco, silencioso e calmo.
Deitada, isolada e calma vou apercebendo a quietude
enquanto a luz incide naquelas paredes brancas, nesta cama nestas mãos.
Não sou ninguém; nada tenho a ver com sobressaltos.
Entreguei o meu nome, as minhas roupas de sair às enfermeiras,
a minha história ao anestesista e o meu corpo aos cirurgiões.

Apoiaram-me a cabeça entre as almofadas e a dobra do lençol
como um olho entre duas pálpebras brancas que jamais se fecham.
Estúpida pupila, ela que tem de estar atenta tudo.
As enfermeiras vão e vêm, não perturbam,
passam com as suas toucas brancas como gaivotas voando para terra,
com as mãos sempre ocupadas, todas idênticas,
sendo assim impossível dizer quantas são.

Para elas o meu corpo é um seixo, tratam-no como a água
trata os seixos sobre os quais corre, polindo-os suavemente.
Trazem-me o torpor nas suas agulhas reluzentes, trazem-me o sono.
Neste momento perdi-me, estou cansada das minhas bagagens...
A minha maleta de couro como uma caixa de pílulas negra,
o marido e a filha sorrindo-me do retrato de família;
os seus sorrisos penetram-me na pele, como pequenos anzóis sorridentes.

Deixei a vida correr, um velho cargueiro com trinta anos
agarrando-se obstinadamente ao meu nome e endereço.
Limparam-me de todas as minhas associações afectivas.
Aterrada e nua sobre a maca acolchoada de plástico verde
vi o meu serviço de chá, as minhas cómodas de roupa branca, os meus livros
afundarem-se até os perder de vista, e a água cobriu-me a cabeça.
Sou uma freira agora, nunca fui tão pura.

Não queria flores, apenas queria
estar prostrada com as palmas das mãos para cima e ficar oda vazia.
Como me sinto livre sem que ninguém faça ideia da libertação...
A paz é tão intensa que nos entorpece
e nada exige em troca, uma etiqueta com o nome, algumas bugigangas.
Aquilo a que finalmente os mortos se agarram; imagino-os
introduzindo-as na boca como se fossem hóstias.

Mais do que tudo o vermelho intenso das túlipas fere-me.
Mesmo através do papel de celofane as ouvia respirar
suavemente, por entre as suas faixas brancas, como um bebé medonho.
A minha ferida corresponde à sua cor rubra.
São subtis: parecem pairar, embora me esmaguem,
perturbando-me com as suas línguas súbitas e a sua cor,
uma dúzia de vermelhos pesos de chumbo em volta do meu corpo.

Nunca alguém me vigiara, vigiam-me agora.
As túlipas voltam-se para mim, assim como a janela
donde, uma vez por dia, a luz se espraia e esvai lentamente,
e vejo-me, estendida, ridícula, uma sombra de papel recortado
entre o olhar do sol e o olhar das túlipas,
e, sem rosto, quis apagar-me.
As túlipas plenas de vida comem-me o oxigénio.

Antes de elas virem todo o ar era calmo,
entrando e saindo, sopro a sopro, sem alvoroço.
Então as túlipas encheram-no com um forte ruído.
O ar agora embate nelas e redemoinha como um rio
embate e redemoinha num engenho imerso e vermelho de ferrugem.
Chamam a minha atenção, que era feliz
quando se entretinha e descansava despreocupadamente.

Também as paredes parecem animar-se.
As túlipas deviam estar atrás de grades como animais perigosos;
abrem-se como a boca de um felino africano,
e é ao meu coração que estou atenta: ele abre e fecha
o seu vaso de florescências vermelhas pelo puro amor que me tem.
A água que saboreio é quente e salgada como o mar,
e vem de um país tão longínquo como a saúde.


sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990

Sylvia Plath (n. Boston, Massachusetts, 27 Out. 1932; m. Londres 11 Fev. 1963 -suicídio-)

Ler também:
Mirror/Espelho
Lorelei
Mad Girl's Love Song
Canção de amor da jovem louca


2 comments:








Kalinka

disse...


As túlipas são demasiado sensíveis;

também é inverno aqui.


ADOREI
será por isso, que também sou demasiado "sensível"...?

Obrigado pela partilha, Amigo.

beijO






Kalinka

disse...


ok sou a Tulipa

mas também kalinka

lembras-te?